Um mercado, um ministro e um presidente Santana Castilho
1. A falta de ponderação dos adultos e a imaturidade dos jovens deixa a sociedade moderna incapaz de perceber como a avalanche de estímulos tecnológicos, que submergem literalmente os cidadãos, perturba o equilíbrio desejável entre a vida profissional, a familiar e a pessoal e, por essa via, vai deteriorando a saúde mental dos indivíduos. Neste quadro, a prevalência crescente da digitalização e da inteligência artificial no ambiente escolar ameaça desumanizar o processo de ensino, retirando-lhe laços insubstituíveis de presença, comunicação e conexão humanas. É assustador que a GlobalData, uma empresa colectora de dados e tendências, que depois vende às maiores empresas do mundo para as ajudar a desenvolver os seus negócios, acabe de prever que as salas de aula se transformarão em espaços de aprendizagem totalmente digitais, por via da penetração do mercado das tecnologias na Educação, mercado que atingirá, até 2030, o valor de 538,5 mil milhões de dólares. Para fabricar cretinos digitais, no dizer provocador do neurocientista Michel Desmurget, o preço é alto.
2. O ministro João Costa continua a enganar a opinião pública. Disse, na RTP 3, no dia da última greve, que o Ministério da Educação já colocou mais de 26 mil professores, em resposta a necessidades manifestadas pelas escolas desde o início do ano lectivo. Absolutamente falso. Se estivesse certo o número 26 mil, esse número referir-se-ia a vagas postas a concurso e jamais a docentes de identidade distinta. Quantas dessas vagas são repetidas vezes sem conta, porque não são preenchidas e voltam ao processo? Quantas delas acabam ocupadas pelo mesmo professor, quer por serem de curta duração e sucederem-se em cascata, quer porque o docente as reúne para poder ascender a um horário completo?
Mas são as afirmações do próprio ministro que expõem a desfaçatez com que adultera os factos. Com efeito, a 26 de Setembro, durante uma visita a uma escola de Santo Tirso, disse que estava a receber mil pedidos por semana, para substituir professores. Agora, na RTP 3, momentos depois de atirar o número 26 mil, para impressionar incautos, afirmou que recebe 600 pedidos por semana. Considerando que decorreram oito semanas de ano lectivo, contas simples expõem a adulteração grosseira dos números, quer falemos de substituições pedidas, quer de docentes envolvidos. Nem a mentir é competente.
Na mesma linha, o Ministério da Educação congratulou-se com o “aumento progressivo dos alunos que concluíram os cursos científico-humanísticos nos três anos esperados, com especial destaque para 2020/21”, ano em que se atingiu “o valor mais elevado desde sempre, 76%, representando um aumento superior a 20 pontos percentuais em relação a 2014/15 (ano de início da série de cálculo do indicador)”.
Entretanto, os resultados das provas de aferição (5º e 8º anos) realizadas em 2021, divulgados pelo IAVE em Maio passado, mostram resultados medíocres. Com efeito, a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades oscilou, consoante os domínios de avaliação, entre 2,7% e 44,2%. Mas, na maioria dos domínios, as respostas sem dificuldades ficaram abaixo dos 20%. É assim manifestamente evidente a incoerência que resulta do cruzamento destes dados com o cenário de 76% dos alunos a concluírem o secundário no tempo esperado.
Ao mesmo tempo, um relatório do Eurostat (Children in Poverty or Social Exclusion), revela-nos que, em 2021, precisamente o ano que o Ministério da Educação celebra, 22,9% das crianças e jovens portugueses com menos de 18 anos, viviam em situação de pobreza ou exclusão social. A esta triste realidade, o discurso enviesado e ideologicamente comprometido do Ministério da Educação diz nada. Falar de sucesso nestas circunstâncias pedia ponderação.
3. Num registo, foi confrangedor ver o safanão presidencial, que quase atirou ao chão o entertainer Paddy Cosgrave, no palco da Web Summit. Noutro, foi impróprio, inaceitável, que o Presidente da República se tenha dirigido à ministra Ana Abrunhosa, em público, no tom em que o fez. Forma e conteúdo foram absolutamente inadequados. Entrasse a ministra no despautério, e ainda a poderíamos ter ouvido retorquir que também não lhe perdoava ter avisado um bispo de que estava a ser investigado por eventual encobrimento de abusos sexuais.