João Miguel Tavares
Eis as coisas que já aconteceram à minha filha Carolina desde que há três anos e umas semanas ela entrou no ensino básico:
1. Teve uma óptima professora nos dois primeiros anos. Só que esta, cansada de cortes e recortes e colocada perante o desejo assolapado do governo de correr às cegas com funcionários públicos, sejam eles maus ou excelentes, resolveu pedir a reforma.
2. Essa reforma foi-lhe atribuída não durante as férias lectivas, mas - para sua própria surpresa - três semanas depois de começarem as aulas do terceiro ano.
3. Foi então preciso encontrar uma professora substituta com as aulas a decorrer.
4. Encontrou-se uma professora substituta, que originalmente até era professora de Música, mas que se integrou muito bem na turma. Era a segunda professora, mas os miúdos adoraram-na, os pais respiraram de alívio, a escola estava contente.
5. Acabou o terceiro ano.
6. Essa professora continuou com a sua turma no quarto ano? Nope. Azarucho: ela não fazia parte do quadro da escola e apesar de ser suposto as crianças do primeiro ciclo serem acompanhadas pelo mesmo professor durante os quatro anos, que nenhum aluno perturbe as burocracias centralistas do ministério da Educação. A professora teve de ir outra vez a concurso.
7. Não ficou colocada.
8. No dia em que começaram as aulas a turma da minha filha ainda não tinha professora. Sabia-se que havia uma professora colocada mas ninguém sabia quem era, nem onde essa professora andava.
9. Essa professora não se chegou a apresentar: meteu logo à cabeça vários dias de baixa.
10. Durante dez dias, a turma da minha filha teve aulas com a directora da escola, foi distribuída por outras turmas ou então - e esta é a parte bonita - teve aulas com a sua antiga professora, que embora reformada se voluntariou para dar uma ajuda.
11. Em resumo, a minha filha não tinha a professora que queria, os pais não tinham a professora que queriam, a escola não tinha a professora que queria, e a professora que todos queriam e que também queria lá estar não tinha emprego (ver ponto 7).
12. Finalmente, a professora colocada lá se apresentou.
13. Era originalmente professora de Educação Física.
14. Depois de ter dado uma aula, a ex-professora de Educação Física colocada a dar aulas a crianças do quarto ano anunciou que se ia embora. Tinha sido colocada noutra escola.
15. Aprendi que enquanto a uns falta trabalho no ministério da Educação, a outros sobra: esta professora tinha conseguido colocação em duas escolas.
16. Foi preciso encontrar uma professora substituta para substituir a professora colocada que substituira a professora subsituta da professora da minha filha mais velha.
17. Ontem, dia 1 de Outubro, 18 dias depois de as aulas terem começado, parece que chegou a nova professora da minha filha.
18. A minha filha gostou dela. É dos Açores. O ministério da Educação, tão necessitado de cortar, deve ter-lhe pedido para vir a nado.
19. A nova professora, tendo sobrevivido à travessia, espero que sobreviva agora a quase 30 putos desnorteados e a um ministério que, citando Nuno Crato antes de ser ministro, deveria implodir.
20. E deveria implodir não só por fazer asneiras deste calibre, que seriam facilmente evitáveis se as escolas tivessem um pingo de autonomia naquilo que conta, mas também por se mostrar incapaz de distinguir os excelentes dos medíocres, e por colocar o seu funcionamento e as suas burocracias da treta sistematicamente à frente das crianças que deveria servir.
21. Eu e a Teresa sempre estudámos no ensino público, e ambos temos uma dívida para com ele. Sempre quisemos que os nossos filhos estudassem no ensino público, e tentamos ajudar naquilo que a escola precisa. Mas com exemplos como este, não admira que quem tem dinheiro meta os filhos no privado. Por os professores serem melhores? Não necessariamente. Acima de tudo porque lá existe uma coisa preciosa chamada organização, e porque quem manda nessas escolas não é uma hidra de mil cabeças barricada num prédio gigante da 5 de Outubro.
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