quarta-feira, 14 de agosto de 2019

A democracia dos compinchas sem vergonha

Maria José Morgado - Justiça de Perdição 

Há muito que a democracia de compinchas vai prosperando mansamente, apesar de uma deprimente lei de incompatibilidades afinal em vigor, como melhor forma de as defender. As denúncias antigas de moralistas isolados só serviram para a lista negra dos desalinhados, afastados dos arranjinhos prósperos com o Estado. Quando a faísca de um negócio foxtrotiano incendiou a pradaria, reparamos num Estado ocupado por bandos organizados ao longo dos anos, como se a corrupção se tivesse democratizado.

Nada de mais. Talvez a única novidade seja a surpreendente teorização pública de uma ética flutuante ao sabor das conveniências num país de eternos arranjinhos provincianos dependentes do Estado, dos favores dos autarcas e políticos, do milagre dos ganhos fáceis, sem provas de mérito ou concorrência dos melhores.

O implodir das regras torna-se irrelevante para uma ética precária à luz do princípio da sombra da bananeira, em detrimento do princípio da prossecução do interesse público. Há ainda quem teime em afirmar que o problema vai muito além de uma simples lei, sendo inaceitáveis as práticas antimérito, antiéticas instaladas.

O nepotismo e a ocupação do aparelho de Estado pelo bando de amigos têm sido, porventura, o plano inclinado para a ruína económica

Os factos em geral revelam um padrão de hábitos de desprezo pelas regras que vinculam a administração pública baseadas em três princípios fundamentais. O princípio da imparcialidade, da isenção e da prossecução do interesse público.

Estes princípios levam-nos muito mais longe e impediriam mesmo contratações ou adjudicações com dinheiros do Estado que envolvam familiares ou empresas de familiares de políticos, seja qual for o âmbito. Deviam impedir o exercício de funções em proximidade familiar independentemente do mérito. Estas exigências terríveis, visavam o expurgo de todos os fatores de distorção da atividade administrativa ou política que se pretenda imparcial e digna da confiança dos cidadãos.

Obrigariam as autarquias, o Estado central a uma organização capaz de assegurar procedimentos potenciadores da igualdade de contratação, de isenção, de garante aos administrados da probidade dos serviços e da defesa dos dinheiros do contribuinte. São regras com uma dimensão objetiva, indiferente ao conhecimento subjetivo, porque sem isso não é possível impedir a contaminação das decisões políticas ou administrativas e a subversão do sistema.

Acontece que o sistema foi subvertido.

O nepotismo, a ocupação do aparelho de Estado pelo bando de amigos, a criação de mercado artificial com esbanjamento de dinheiro público e necessidades caricatas servidas pela incompetência têm sido porventura, o plano inclinado para a ruína económica, a corrupção, o tráfico de influências, a fraude fiscal. Os que não alinham vão continuar a precisar de coragem para uma sobrevivência em ambiente hostil e independente do favor do político.

Acontece que uma nova lei fresquinha, literalmente transparente, consagrará todas as facilidades para manter à sombra da bananeira os habituais especialistas nos arranjinhos de ganho fácil e abundante, à custa do contribuinte, como sempre.

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