Paulo Guinote
Chegou o famoso mês de Agosto, o dos três meses de férias dos professores. Ao contrário do passado ano lectivo, embora mais envelhecidos conforme dezenas de notícias e declarações melífluas de quem bloqueou uma renovação atempada da classe docente, parte-se em romaria pacífica, com uma assinalável paz social, conseguida à custa da “flexibilização” das pretensões dos docentes, rendidos ao faseamento do que já de si é um faseamento do tempo de serviço que prestaram desde 2005.
Mas este também foi o ano em que, para além da aplicação dos chamados “decretos gémeos” (os dl 54 e 55), se começou a generalizar o modelo da Educação Municipalizada, a que chamam “descentralização de competências na Educação”, que tornará as escolas e agrupamentos dependentes de uma dupla tutela, uma mais distante e outra de proximidade.
O ano de 2019-20 ficará marcado pela imposição, com maior ou menor colaboração por parte das direcções escolares, de uma alteração exógena do da gestão escolar que, depois do modelo único de lideranças unipessoais, colocará as “unidades orgânicas” escolares de grande parte do país na dependência do poder autárquico, seja do seu presidente, seja de um vereador ou, no caso de municípios com uma rede escolar mais vasta, de um qualquer chefe de divisão ou técnico superior, para quem são transferidas competências que antes estavam nas escolas (e praticamente nenhuma do poder central).
Este novo “paradigma” é fundamentado com uma retórica de gestão de “proximidade”, mais “conhecedora das realidades locais” e tenta justificar-se com a “legitimidade democrática” dos eleitos locais para gerirem a Educação nos limites dos seus concelhos. Acerca disso haveria a apontar diversos erros e paradoxos, sendo que, em pleno Estio, me ficarei por duas questões.
A primeira, relaciona-se com toda a engenharia financeira que envolve este processo, porque esta “transferência de competências” é apenas um pretexto para redireccionar verbas europeias (programa Portugal 2020) para as câmaras, alegando que assim será mais eficaz a concertação de estratégias para combater o abandono e insucesso escolar, mesmo se o poder político clama que esses indicadores estão em mínimos históricos. É uma das formas usadas para robustecer as finanças locais, enquanto publicamente se multiplicam queixas quanto à magreza do “envelope financeiro” envolvido. Mas basta consultar as verbas mobilizadas para “planos inovadores de combate ao insucesso escolar” ou afins para se perceber os muitos milhões de euros em causa.
A segunda passa pela transformação do que até agora têm sido, apesar de muitas limitações, organizações com algum nível de autonomia em novas extensões da estrutura administrativa autárquica, em que @s director@s se transformarão numa variante de directores de serviços, em que muitas decisões deixarão de ser tomadas nas escolas, migrando para os gabinetes das burocracias locais que, com todas as honrosas excepções que possamos achar, têm uma competência técnica para estas matérias inversamente proporcional aos hábitos clientelares instalados. Quando se afirma que as escolas manterão as “competências pedagógicas”, apenas lhes sendo retiradas chatices administrativas, oculta-se que muitas iniciativas e projectos de tipo pedagógico passarão a estar dependentes, por via do seu financiamento, dos humores exteriores e “superiores”.
Por isso, talvez seja bom encarar este mês de Agosto como o último de um modelo de gestão escolar que, apesar da progressiva amputação dos procedimentos democráticos, ainda mantinha algumas margens de autonomia. Em Setembro, um pouco por todo o país, isso passará a ser uma cada vez mais distante memória.
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