Plano de Recuperação das Aprendizagens 21|23 Escola+













Blogue de Informação e Recolha de Opiniões para Educadores e Professores. Notícias sobre Educação, Legislação e Política Educativa.
Com o lento passar do tempo e da memória colectiva, geração após geração, os professores ajudaram a elaborar a imagem social de uma profissão de dádiva absoluta e incontestável entrega.
O poder simbólico da actividade docente leva a que os professores sintam sobre os seus ombros a utópica tarefa de mudar, para melhor, o mundo; de traçar os novos caminhos do futuro e de preparar todos e cada um para que aí, nesse desconhecido vindouro, venham a ser cidadãos de corpo inteiro e, simultaneamente, mulheres e homens felizes.
Ao mesmo tempo que a humanidade construiu uma sociedade altamente dependente de tecnologias dominadoras, transferiu da religião para a escola a ingénua crença de que o professor, por si só, pode miraculosamente desenvolver os eleitos, incluir os excluídos, saciar os insatisfeitos, motivar os desalentados e devolvê-los à sociedade, sãos e salvos, com certificação de qualidade e garantia perpétua de uma actualização permanente.
O emergir da sociedade do conhecimento acentuou muitas assimetrias sociais. Cada vez é maior o fosso entre os que tudo têm e os que lutam para ter algum; entre os que participam e os que são marginalizados e impedidos de cooperar; entre os que protagonizam e os que se limitam a aplaudir; entre os literatos dos múltiplos códigos e os que nem têm acesso à informação.
E é este mundo de desigualdades que exige à escola e ao professor a tarefa alquimista de homogeneizar as diferenças.
Os professores podem e estão habituados a fazer muito e bem. Têm sido os líderes das forças de sinergia que mantêm os sistemas sociais e económicos em equilíbrio dinâmico. São eles que, no silêncio de cada dia, e sem invocar méritos desnecessários, evitam que muitas famílias se disfuncionalizem, que as sociedades se desagreguem, que os estados se desestruturem, que as religiões se corroam.
Mas não podem fazer tudo. Melhor diríamos: é injusto que se lhes peça que façam ainda mais.
É bom que se repita: os professores, por mais que se deseje, infelizmente não têm esse poder extraordinário. Dizemos infelizmente, porque, se por feitiço o tivessem, nunca tamanho domínio estaria em tão boas e competentes mãos.
E é precisamente porque nunca foram tocados por qualquer força sobrenatural que os professores, como qualquer outro profissional, também estão sujeitos à erosão das suas competências; que, como qualquer técnico altamente qualificado, eles também necessitam de actualização permanente. E é por isso mesmo que os docentes reclamam uma avaliação justa do seu esforço profissional.
Todas as escolas preparam impreparados. Até as que formam professores. Sempre foi assim e, daí, nunca veio mal ao mundo. É a sequência e a consequência da evolução dialéctica das sociedades e das mentalidades.
Admitir que a escola pode resolver todos os problemas e contradições da sociedade, resulta em transformá-la em vítima evidente do seu próprio progresso.
Os docentes não podem solucionar a totalidade dos problemas com que se confrontam as sociedades contemporâneas, sobretudo se não tiverem o incondicional apoio do Estado, das famílias e das instituições sociais que envolvem a comunidade escolar.
Os professores não têm o poder de operar prodígios. São profissionais, de corpo inteiro e altamente qualificados.
A nossa sociedade não se pode dar ao luxo de os deixar, abandonados, caminhando para a aposentação, sem verem chegar às escolas jovens profissionais a quem possam deixar o seu legado geracional.
No estádio de desenvolvimento de Portugal, face aos seus parceiros europeus, é preciso que se diga e repita todos os dias que não temos professores e escolas a mais.
Pelo contrário: temos, reconhecidamente, um grupo profissional envelhecido, sem se descortinar, no horizonte mais próximo, qualquer medida no sentido da intensificação da formação de novos docentes que venham inverter a actual pirâmide etária das escolas.
Por tudo isso, por favor não os obriguem a ser mais do que já são, ou nunca serão o que o futuro lhes exige que ainda venham a ser por muitos anos.
São ainda atualizados aspetos relacionados com as contra-indicações e reações adversas.
A primeira mudança, e que tem de ser defendida de modo inabalável e incansável, é esta: a do regresso da gestão democrática à escola, com fronteiras bem definidas entre o que compete à Educação e o que compete a outros, incluindo os municípios, e a defesa do fim da aberração chamada mega-agrupamentos.Desde logo, a gestão unipessoal, que no auge da pandemia, salvo algumas exceções, se mostrou errática, dependente de orientações superiores e pouco autónoma. A democracia foi arredada da escola, com o fim da gestão democrática, em 2008. Todas as decisões são tomadas por uma única pessoa, o/a diretor/a. Os professores e as professoras deixaram de ser ouvidos, assim como os técnicos e os assistentes operacionais. Os pais, reunidos em associações pouco representativas, têm a sua participação limitada ao Conselho Geral e são instrumentalizados pelo diretor. Os alunos e alunas também não têm espaço de participação, a não ser no Conselho Geral, que, em muitos casos, é controlado pelo diretor e também pelo poder autárquico.
A segunda mudança é a do currículo, que se perpetua num anacronismo enraizado e pouco problematizado. Sem fundamentação científica nem pedagógica, constata-se a preponderância do Português e da Matemática, que secundariza as Ciências Sociais, as artes e a educação física. A carga horária alonga-se e falta tempo para dinamizar clubes, projetos e o desporto escolar. Os programas estão desajustados ao nível etário e repetem-se conteúdos ao longo da escolaridade. A estrutura curricular do ensino secundário está desajustada e é limitadora. Muitas famílias recorrem às explicações, sobretudo quando se trata de disciplinas com exame nacional. O ensino profissional funciona num modelo dual, isto é, é uma escola dentro da escola e a educação inclusiva mais não tem feito do que diluir as necessidades educativas especiais.
Os exames, criados por causa dos números clausus, servem, agora para verificar o que se ensina e para alimentar rankings, favorecendo o ensino privado, que escolhe os seus alunos, ao contrário da Escola Pública, que acolhe toda a diversidade.
A falta de professores vai agravar-se em breve, com a entrada na reforma de cerca de 40% dos atuais docentes. Não haverá quem os substitua, mesmo com a entrada dos precários que ainda não desistiram de ser professores. Se nada for feito e depressa, vamos regressar aos anos da escola de massas, em que por falta de professores, qualquer pessoa podia dar umas aulas, em salas apinhadas de alunos.
Uma quarta questão que precisa de reflexão é “a escola a tempo inteiro”, uma invenção de Lurdes Rodrigues. Nada contra a ideia de um serviço que ajude os pais e mães trabalhadores, mas não se pode chamar escola. A escola é o conjunto de atividades de aprendizagem que se realizam durante um determinado tempo. A escola-edifício pode continuar aberta, mas já não é escola. É outra coisa. É um espaço onde as crianças ficam até que os pais saiam dos seus trabalhos e, desejavelmente, da responsabilidade da autarquia. Rejeitar a designação “escola a tempo inteiro” é separar a escolarização e as aprendizagens do apoio social.Uma palavra para os assistentes operacionais e os técnicos, que, esmagados pelo SIADAP, ganham há décadas pouco mais do que o ordenado mínimo. Estes profissionais são fundamentais na Escola Pública e têm de ser reconhecidos como tal.
Os professores e professoras do Bloco de Esquerda têm vindo a reunir-se nas Jornadas de Educação, por videoconferência, em plena pandemia e de norte a sul do país. Nestes encontros há reflexão, produção e sobretudo há também o saber do ofício, de quem está todos os dias nas escolas a viver todas as dimensões de que é feita. Estes profissionais que têm uma intervenção ativa e propositiva precisam de ser ouvidos e de ter voz e sabem de educação porque pensam a educação e vivem a educação.Muitos outras questões se levantam, sendo que estas requerem reflexão e solução urgentes. Ora, se o governo PS prefere empurrar estes problemas com a barriga e esconder a cabeça debaixo da areia há quem defenda verdadeiramente a Escola Pública construindo e apresentando propostas com todos os que nela vivem.
Não é novidade que outros setores não perdem oportunidade de palpitar sobre Educação, no mais puro “eduquês”, com sugestões avulsas e muitas vezes descabidas e porque não são ouvidos os professores e professoras.
Ora, para o debate, para a reflexão e para o desenho de proposta é requisito fundamental ter conhecimento da realidade, da complexidade e tecnicidade do sistema educativo. Sobre a pandemia, consultam-se os epidemiologistas. Mas sobre a escola, mesmo no contexto da pandemia e da recuperação, não se consultam nem se ouvem os professores. Mesmo quando se apresentam propostas estas não têm respostas. Dizer que não fazem propostas é um erro, ignorá-las e não lhes dar resposta é uma intenção.
As Jornadas da Educação surgiram desta necessidade de contrariar o senso-comum, mas também da necessidade de debate, análise, apresentação de propostas fundamentadas, construídas em coletivo e por quem está no terreno. Desde março, as Jornadas da Educação estão abertas a todos e todas e pretendem dar voz a todos os atores educativos e aos que estão preocupados com a ausência estratégia e de investimento na Educação, que a pandemia acentuou e que é essencial debelar.
Texto elaborado colaborativamente por um grupo de professores do Bloco de Esquerda no âmbito da XII Convenção.
Pode uma escola ser dissociada de tudo o que nela se faz, para ser salva ou condenada pelas notas que um exíguo número dos seus alunos obtém nos exames? Que acolhimento têm nestes rankings milhares de alunos que, mediante muito esforço pessoal e dos seus professores, superam dramáticas situações de partida, embora sem conseguirem obter classificações elevadas? Pode comparar-se o trabalho a desenvolver com alunos oriundos de ambientes familiares desestruturados, paupérrimos, com o que se acrescenta a alunos de famílias ricas, onde nada falta? Pode comparar-se um sistema que recebe, e bem, todos os alunos (350 mil apoiados pela Acção Social Escolar e 80 mil com necessidades educativas especiais) com outro que os seleciona criteriosamente e só admite os mais dotados e os mais ricos? Pode comparar-se uma escola do interior desertificado com outra de um grande centro urbano, alunos “emigrantes” no seu próprio país, que andam diariamente dezenas de quilómetros para chegarem á “escola de socialização”, com outros que se deslocam no Mercedes do pai? Que aconteceria aos resultados das melhores escolas, no próximo ranking, se fossem obrigadas a trabalhar com os alunos das piores deste?
A indisciplina, a violência (física e psicológica) de uns quantos sobre muitos, cobardemente ignorada ou escondida pelos responsáveis, a começar pelo Ministro da Educação, é o fenómeno que mais prejudica a qualidade do ensino público. A delirante propaganda dos actuais responsáveis acerca de uma inclusão que não existe agravou a tendência para abafar a indisciplina endémica. Mas essa tendência não resiste quando, esporadicamente, a dimensão dos acontecimentos salta as barreiras da censura. Com efeito, precisamente na mesma altura em que o ministro da Educação (as suas afirmações, vazias de existência, nem provocam já resistência) dizia no Porto, a propósito da Cimeira Social da União Europeia, que “Portugal é orgulhosamente conhecido como um país que está na vanguarda da inclusão na educação”, a imprensa noticiava que uma aluna de uma escola da Amadora foi barbaramente espancada numa sala de aulas por colegas, que lhe arrancaram unhas, e que noutra, de Ponte de Sor, onde um jovem já foi esfaqueado, os professores têm medo de dar as aulas, são constantes as agressões, circula droga e houve uma tentativa de violação.
Entendamo-nos, sem tibiezas. Quando um menor agride outro dentro da escola, há duas entidades directamente responsáveis: a escola e os pais do agressor. Mas a escola tem de ter meios e dirigentes capazes de resolver, de modo célere e sem titubear, agressões e vandalismos. Alunos, auxiliares de educação e professores não podem viver aterrorizados por pequenos marginais, que recusam regras mínimas.