Luís Miranda Correia
Culpar educadores e professores pelo insucesso que há muito se vem verificando numa grande parte dos alunos com NE não me parece um argumento justo.
O número de crianças e adolescentes com necessidades especiais (NE) inseridos nas classes regulares das nossas escolas públicas tem vindo a aumentar significativamente e, por conseguinte, a necessidade de estas se adaptarem a uma nova realidade é cada vez mais evidente. Mas, para que este objetivo seja atingido, são necessárias transformações que, para além da criação de projetos coerentes nas escolas, com base em programações eficazes e na colaboração entre todos os agentes educativos, passem também pela participação parental e pela existência de recursos qualificados. É sobre este último ponto, mais propriamente sobre a qualificação de educadores e professores do chamado ensino regular e de educação especial, que hoje me vou debruçar.
Todos nós sabemos que, atualmente, não devemos, nem podemos, ver a educação do aluno com NE como sendo da responsabilidade única do educador ou professor de educação especial. O trabalho em colaboração é essencial para promover melhores aprendizagens, fazendo da classe regular o meio mais apropriado para essas aprendizagens e do ensino regular e da educação especial parceiros neste empreendimento.
Ora, com estas tendências a dilatarem-se mais e mais no nosso sistema educativo, julgo curial que este assuma responsabilidades que levem as escolas públicas a proverem uma educação de qualidade para todas as crianças e adolescentes com NE. A publicação do DL 54/2018, de 6 de julho (Regime Jurídico para a Educação Inclusiva), quero acreditar, parece-me pretender trilhar esse caminho. No entanto, para que a qualidade na educação destes alunos seja atingida, é preciso que se entenda que a condição intra e interindividual de cada um deles é diferente em termos de características, capacidades, necessidades e educabilidade. Assim sendo, e tendo por base um cenário em que a diversidade impera, quer os educadores e professores do ensino regular, quer os de educação especial, necessitam, com certeza, de mais conhecimentos e técnicas para levar a cabo a sua missão.
Aos primeiros, aquando da sua formação inicial, deve-se-lhes dar a oportunidade de se confrontarem com planos de estudos que reflitam as autênticas realidades educativas, ou seja, que tenham em atenção que as necessidades dos alunos com NE devem ser atendidas, sempre que possível, nas classes regulares, uma vez que ao ingressarem no sistema de ensino público devem estar preparados para responderem minimamente a essas necessidades.
Aos segundos, como hoje em dia o seu trabalho envolve muito mais do que o simples apoio direto ao aluno com NE, deve-se incluir na sua agenda, não só a consultadoria a educadores e professores de turma no que concerne às condições específicas que se inscrevem nas diferentes problemáticas que se enquadram nas necessidades especiais, mas também o envolvimento no processo de avaliação dos alunos com NE, em colaboração, quando necessário, com outros apoios especializados (ex.: psicólogos e terapeutas), com as famílias e, até, com a comunidade em geral. Deve-se ainda considerar a sua contribuição e supervisão na elaboração de Planos Individualizados de Atendimento Familiar (PIAF), de Programas Educativos Individualizados (PEI) e de Planos Individualizados de Transição (PIT), dado que a escola deve providenciar serviços e apoios, neste caso especializados, consentâneos com as necessidades dos alunos com NE que a frequentam. Para além destas funções, cabe também aos educadores e professores de educação especial estarem a par dos novos desafios que se colocam quanto à educação destes alunos, atualizando técnicas de ensino e recursos materiais e interpretando, em seu favor, os preceitos legais em vigor.
Estas funções e responsabilidades requerem que as instituições de formação, particularmente as instituições de ensino superior, ofereçam cursos de especialização que venham a apetrechar educadores e professores a especializar em educação especial com os instrumentos necessários ao bom desempenho da sua profissão, promovendo, simultaneamente, o seu desenvolvimento profissional.
Também, no que respeita à formação inicial, essas mesmas instituições devem alterar os seus planos de estudos para que os futuros educadores e professores possam responder à diversidade de comportamentos que os alunos que vierem a frequentar as suas salas de aulas exibirem. Esta alteração, que deve pelo menos considerar os planos de estudos das licenciaturas em ensino e educação, torna-se obrigatória.
Contudo, o quadro de formação inicial e de formação especializada com que hoje nos deparamos é, na maioria dos casos, bastante deficiente, diria, até, preocupante. Grande parte do insucesso académico e, por arrasto, do insucesso futuro dos alunos com NE, deve-se, maioritariamente, à falta de disciplinas orientadas para a educação dos alunos com NE (da chamada educação inclusiva) e, por outro lado, à qualidade dos cursos que grande parte das instituições de ensino superior oferece nestas matérias. Assim, culpar educadores e professores pelo insucesso que há muito se vem verificando numa grande parte dos alunos com NE não me parece um argumento justo. O argumento, talvez a prova, está na falta de empenhamento das instituições de ensino superior e na qualidade (ou falta dela) das avaliações externas de que têm sido alvo inúmeros cursos de formação inicial e de especialização.