"E tu, idiota: és pelos idiotas?"
"Os professores ganham misérias de salários. Escandalosas, desgraçadas, pornográficas misérias de salários. Um professor, para o trabalho que faz, para a importância que tem, é o mais miserável dos profissionais, o mais mendigo dos mendigos: o mais canalha dos canalhas. O professor tem de formar génios quando se sente o mais imbecil dos imbecis por ser aquilo que é - por ganhar aquilo que ganha. O professor é um palerma se insistir em ser professor com o excremento de ordenado que recebe. E tudo porque os palermas que decidem quanto ele ganha foram palermas que não tiveram professores como deve ser – porque também esses professores que ensinaram os palermas que decidem quanto ganha um professor eram palermas que eram professores e que eram explorados até ao tutano e nunca reagiram a preceito. Palermas.
Os professores deveriam ganhar tanto como os médicos. Exacto. Leste bem: os professores deveriam ganhar tanto como os médicos. Digo mais uma vez – agora por outras palavras – para não restarem dúvidas: os salários dos professores deveriam ser equiparados aos dos médicos. E não: não sou eu quem precisa de ir ao médico por dizer o que acabei de dizer; és tu, se não o entendeste, que precisas de ter um professor que te explique, mais calmamente, aquilo que vou começar, no parágrafo seguinte, a declarar. Lê com atenção, por favor.
Um professor, quando é bom, salva mais vidas que o mais bem-sucedido dos médicos. Mais: um professor, quando é bom, cura mais doenças do que o mais bem-sucedido dos médicos. Desde logo, a doença que está a matar a sociedade: a incompetência. A falta de talento, a inexistência de visão, a incapacidade de solução. E só há uma forma de um professor ser verdadeiramente bom: gostar do que faz. Gostar verdadeiramente do que faz. E um professor só gosta verdadeiramente do que faz quando está motivado: verdadeiramente motivado. E, por mais que goste do que faz, um professor - porque é humano e tem família e tem de colocar comida na mesa e tem de se divertir e viver a vida - precisa de se sentir devidamente premiado pelo papel decisivo que tem. Porque o professor é, mais do que o figurante que querem fazer dele, o actor principal de uma sociedade moderna. É por aqui, e por mais lado nenhum, que deve começar a reforma da sociedade, o crescimento de um país: dar aos professores o que eles merecem. E o que é que merece o actor principal de um filme: o cachet mais alto do elenco. Nem mais, nem menos: o cachet mais alto do elenco. E o que é que acontece na realidade? O professor, que tem uma das mais altas responsabilidades, tem um dos mais baixos salários. E depois ainda lhe é exigido que sorria, que esteja feliz, que acorde cheio de energia e o diabo a quatro. Pró falo com eles.
Exigir exige exigência máxima. Mas exigência máxima exige motivação máxima. Eu sou pela exigência: máxima, absoluta - demencial até. Sou pela avaliação até à loucura dos professores. Sou por critérios quase pidescos na admissão dos professores. Sou pela subida das médias de entrada na universidade nos cursos que formam professores para médias tão, ou mais, altas como as médias de entrada em cursos de medicina. Para que só os melhores lá cheguem. Para que só os mais dotados lá cheguem. Para que só os que têm a vocação lá cheguem. Para que só os mais capazes tenham nas suas mãos as vidas de tanta gente. Um cirurgião salva, com um transplante de coração, um paciente da morte; mas um professor salva, se tiver talento e coração, centenas de impacientes de uma vida de morte. Estava, confesso, a morrer de vontade de te contar isto. E ainda te conto mais. Isto:
Conto-te que se os professores ganhassem tanto como os médicos e tivessem um grau de exigência académico tão alto como o dos médicos, iriam ser aquilo que têm de ser – aquilo que qualquer país ou sociedade decente exigem que eles sejam: uma trave-mestra daquilo que nos sustenta. Sim: nos. Nós. A mim, a ti, ao teu filho, ao meu, ao teu primo e ao meu – a toda a gente. Os professores deviam ter um estatuto, em tudo, igual ao dos médicos. Os professores são médicos de prevenção – os pré-médicos de uma sociedade de verdade. De uma sociedade que pré-age em vez de reagir. Eu sou pelos professores. E sou pela eliminação dos milhares de não-professores que andam a fazer de professores pelo país fora. Sim: porque o sistema, ao reduzir a exigência, abre as portas ao mais ou menos, ao medíocre. E o medíocre ensina a mediocrizar. E se esta porcaria continua assim estamos numa sociedade de medíocres a ensinar e de medíocres a serem ensinados. Eu sou pela verdadeira chacina de milhares de professores. Façam-lhes testes, façam-lhes avaliações, obriguem-nos a mostrar o que valem. Depois, sim, no final, quando a separação das águas estiver feita, é tempo de dizer aos briosos resistentes: “meus amigos, vocês são o orgulho da nossa nação; vocês são, nada mais do que isso, o futuro desta merda toda. Peguem lá 3000 ou 4000 ou 5000 euros por mês e façam deste país um oásis de educação, um arquétipo de conhecimento, um padrão de evolução intelectual e cultural e técnica e científica e criativa”. Podes pensar que é dinheiro a mais, podes pensar que não é tempo de fazer loucuras destas. Mas isso é apenas porque não tiveste professores em condições – e tiveste professores que ganhavam 800 ou menos euros por mês e tinham horários incompletos e só queriam despachar a aula o mais rapidamente possível para irem para um centro qualquer dar explicações para poderem pagar a renda de uma casa de trampa que tiveram de arrendar por estarem a centenas de quilómetros da sua terra-natal. Esses professores, os que têm tanta motivação para serem professores como tu tens para pagar o IVA, ensinaram-te a ser os infelizes que eles foram: que eles vão continuar a ser se o paradigma construído pelos idiotas que mandam nisto tudo não mudar. É tempo de escolher: ou ensinar os idiotas a não formarem mais idiotas - ou ser de(s)formado pelos idiotas que querem entronizar os idiotas. Ainda hesitaste? Idiota."
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