Caras e Caros colegas,
Há algo que acho deve ser sublinhado: numa negociação sindical o poder e competência normativas/legais estão do lado do governo.
Os sindicatos não podem impor aos governos coisa nenhuma. Há, numa negociação deste tipo, uma relação assimétrica. De um lado o poder e a legitimidade democrática/constitucional, que obriga todo o país, o lado do governo; do outro lado o poder puramente político/popular, quer dizer, o que depende da força popular, corporativa e comunicacional que se for capaz de mobilizar, o lado dos sindicatos.
O governo pode legalmente obrigar; os sindicatos podem apenas... lutar... Quer dizer, os sindicatos só podem impor o que os governos deixarem, por opção ou medo eleitoral...
Acho que vale a pena lembrar isto porque parece, por vezes, que há colegas a supor que a negociação sindical é uma negociação entre iguais (governo versus sindicatos) e que, por isso, quando as coisas não correm bem a culpa é sempre de quem defende mais imediatamente os nossos pontos de vista, no caso os sindicatos (bem entendido, de modo mais mediato, o governo também "defende" os nossos interesses, embora neste caso isso não passe de puro formalismo).
Quanto ao que aconteceu ontem. Por mim não tinha nenhuma expectativa num desenlace positivo imediato, relativamente aos nossos interesses (e da Escola Pública). Não que isso me desembaraçasse de um nervoso miudinho ao longo das três horas de conversa. De qualquer modo, não seria razoável esperar que algo resultasse diretamente e imediatamente ali, dadas as posições anteriores. O que aconteceu ontem sempre teria que ser pensado num contexto de uma luta mais longa, mais dura e mais complexa, cujo epílogo ocorrerá em outubro/novembro, com o Orçamento de Estado.
A luta será mais longa porque tem que continuar em setembro, outubro e novembro; mais dura porque quanto mais longa mais dói e pode exigir formas de luta mais radicais; mais complexa porque a luta passa também pela criação do contexto político para a re-colocação política (junto da opinião pública e do eleitorado) das forças parlamentares que apoiam o governo, o BE e o PCP. Tudo, aliás, no limite temporal e constitucional da votação do OE, se decide aí.
Se o BE e o PCP perceberem que há contexto de luta, vontade e mobilização dos professores, poderão obrigar o governo a ceder ou, mesmo, votar contra o OE, obrigando a eleições legislativas antecipadas, onde o PS dificilmente terá maioria... se não as perder. E, nesse caso, recomeçará tudo, agora com novas exigências à esquerda (que sempre contemplarão a recuperação do tempo de serviço dos professores). Bem entendido, o PS pode, nessas circunstâncias, aliar-se ao PSD, mas aí pagaria um preço muito, muito elevado à esquerda, inclusive interna...
No entanto, e para já, e objetivamente, abriram-se portas na negociação de ontem. Certamente não as que desejaríamos, mas os desejos excessivos são inimigos da ação lúcida e podem conduzir-nos ao ceticismo, à desilusão precoce e ao quietismo, quando não ao completo cinismo. Fico contente por não termos chegado a nenhum destes extremos, pese embora os discursos anti-sindicais que pululam por aí (fora deste rede, mas noutras redes), inclusive oriundas, por (pouco) paradoxal que pareça, de alguns sindicatos.
Entretanto, e afinal, e voltado a ontem, já é possível considerar outras propostas para além da grotesca proposta anterior do governo, de recuperação de cerca de 2,5 anos de tempo de serviço; afinal já não se sabe bem quanto dinheiro custa a recuperação integral do tempo de serviço e vai-se constituir uma comissão mista (governo + sindicatos) para saber quais são os valores reais em causa; essa comissão terá de ter o seu trabalho pronto em setembro; em setembro recomeçarão as negociação do governo com os sindicatos para ver, afinal, como ficam as coisas; afinal já surge como hipótese que se possa, livremente, escolher recuperar o tempo de serviço para progressão ou para aposentação (o que vai muito a favor dos colegas mais velhos, que nunca veriam os 9A4M2D); pela primeira vez o governo não rejeitou explicitamente a contagem integral do nosso tempo de serviço.
Enfim, a luta continua. E portanto, não, não estamos no mesmo sítio. A coisa moveu-se, mercê da luta e do empenho formidável dos professores. Só há que não desistir, superando o cansaço e a eventual desilusão.
A minha expectativa (falível, bem entendido) é que se alcançará, no fim de tudo isto, uma solução razoável para os professores (e para a Escola Pública), sempre no contexto da recuperação integral do tempo de serviço, pouco antes do debate do OE. E concedo que depois desse timing não há quase mais nada que possamos fazer, no atual contexto político/sindical da nossa luta (votar neste ou naquele partido nas legislativas já é outra luta, embora se cruze com esta).
Mas esta minha expectativa depende, bem entendido, da capacidade de mobilização, sofrimento, consciencialização e lucidez política dos professores. A indignação e a dor têm que se transformar em ação lúcida e com sentido. Acredito, com reservas, como tem que ser, que reunidas essa condições, conseguiremos vergar este governo e as suas opções desastrosas de destruição da carreira docente, o mais importante passo para a destruição da Escola Pública. O resto, flexibilidades, supervisões e afins, tudo isso são peanuts, resistindo (ou não resistindo) a dizer que são tretas, só tretas.
Se nas outras escolas e agrupamentos, e entre nós, novamente, as coisas correrem, em setembro, como correram neste último mês e meio, a coisa está a um passo de distância. E fazer greve amanhá já é um pormenor. A luta continua, portanto, a sério, em setembro, com o passo seguinte. O mais necessário.