O que é preciso saber (e já é possível dizer) sobre a nova modalidade de recuperação de, apenas, 30% do tempo de serviço congelado
1. O governo, sem negociar com os professores, aprovou duas modalidades para roubar tempo de serviço cumprido
No caso do Decreto-Lei n.º 36/2019, de 15 de janeiro, apesar das reuniões realizadas, o governo recusou analisar e discutir a proposta dos sindicatos; já o decreto-lei aprovado para as carreiras especiais, que o governo informou que também se aplicará aos docentes, nunca passou por qualquer reunião realizada com os sindicatos de professores.
2. Ambos os diplomas apagam mais de 6,5 anos de tempo de serviço que os professores cumpriram
Quer o Decreto-Lei n.º 36/2019, quer o que o governo aprovou agora só recuperam 2 anos, 9 meses e 18 dias de um total de 9 anos, 4 meses e 2 dias de trabalho realizado pelos professores nos períodos de congelamento. Assim, dos 3 411 dias de congelamento são apagados 2 393, ou seja 70,1% daquele tempo.
3. Qualquer que seja a opção do professor, a perda de tempo de serviço é rigorosamente a mesma
Como se refere antes, nenhum dos diplomas recupera mais tempo de serviço, ambos apagando mais de 6,5 anos. A única diferença reside no regime adotado para a recuperação do restante tempo (apenas 30% do total) que, dependendo da situação do docente, poderá ter alguma antecipação com o regime mais recentemente aprovado, mas apenas isso.
4. O governo pretende, através da manifestação de opção [até 31 de maio, segundo anunciou], que os professores legitimem o roubo de tempo de serviço, daí que os professores, ao optarem, devam fazê-lo sob protesto
Para dificultar futuras exigências e eventual recurso a tribunal, o governo pretende que os professores, optando por um dos regimes, estejam simultaneamente a aceitar uma recuperação apenas parcial de tempo de serviço. No entanto, isso não acontecerá se cada professor, ao manifestar a sua opção, o fizer sob protesto, entregando declaração nesse sentido, em que afirme não prescindir do tempo em falta. Logo que se conheçam os termos da opção a fazer, a FENPROF divulgará minuta de “Declaração de Protesto”.
5. A opção pelo novo regime de recuperação parcial, podendo antecipar, em algum tempo, a próxima progressão não permitirá maior recuperação
Há professores que, optando por recuperar cerca de 11 meses em junho de 2019, poderão antecipar a próxima progressão, ainda que, terminada a recuperação, lhes continue a faltar os mesmos mais de 6,5 anos de tempo de serviço cumprido. Seja qual for a opção, os docentes que, com o descongelamento, progrediram em 2018, não progredirão em 2019. Quem poderá antecipar a progressão, de 1 dia a 11 meses, são os docentes que iriam progredir entre julho de 2019 e maio de 2020, porém, apesar de reunirem mais cedo o requisito “tempo de serviço”, falta saber como será em relação aos restantes requisitos.
6. O ME poderá alegar a não verificação dos requisitos que acrescem ao tempo de serviço para anular a antecipação da progressão resultante da nova modalidade de recuperação parcial
A progressão dos docentes na carreira não é automática. Para além do tempo de serviço são necessários outros requisitos como a formação contínua, a avaliação de desempenho e, em alguns escalões, a observação de aulas e ou obtenção de vaga. Como tal, não é claro que, apesar da verificação antecipada, em alguns meses, do tempo necessário à progressão, a progressão possa ser antecipada. Será necessário que, perante a excecionalidade da situação, o ME defina um regime excecional em relação aos outros requisitos. Se não o fizer, o impacto da antecipação para 2019 será pouco expressiva.
7. A existência de duas modalidades e a possibilidade de opção por uma delas não acaba com as ultrapassagens
As ultrapassagens decorrentes do processo de reposicionamento nada têm a ver com este processo, devendo os docentes ultrapassados continuar a recorrer ao Sindicato em que estão associados ou sindicalizar-se num deles. Quanto às ultrapassagens que decorrem do regime fixado no Decreto-Lei n.º 36/2019, a possibilidade de opção por outro regime poderá resolver algumas situações, mas não todas, pelo que os professores deverão informar-se junto do respetivo Sindicato sobre a sua situação.
8. A recuperação parcial de tempo de serviço não terá qualquer impacto na progressão aos 5.º e 7.º escalões, nem na aposentação
O governo rejeitou a proposta das organizações sindicais que previa a possibilidade de o tempo congelado ser utilizado, em parte e por opção, para dispensar de vaga ou para efeitos de aposentação. Poderá, contudo, a Assembleia da República prever em lei essa possibilidade.
9. A não recuperação de todo o tempo de serviço põe em causa, para a grande maioria dos professores, o direito à carreira completa e a uma aposentação digna
Com exceção do 5.º, a carreira tem escalões de 4 anos. Porém, um professor com 17 anos de serviço (metade da duração da carreira) ainda está no 1.º e com 20 (metade do tempo para a aposentação) está no 2.º escalão. A perda de mais de 6,5 anos, acrescida da perda de 4 anos em 2007 e 2009 (que está na origem das ultrapassagens por reposicionamento) e o número crescente de docentes retidos devido à escassez de vagas fará com que a grande maioria dos professores (até aos 30 anos de serviço ou, mesmo, um pouco mais) termine a carreira entre o 4.º e o 6.º escalão, com enormes prejuízos imediatos e na futura aposentação.
10. Os professores no topo da carreira ou que a ele progridam também serão duplamente penalizados
O tempo de serviço perdido por estes docentes é irrecuperável na carreira e os prejuízos decorrentes dos congelamentos e dos cortes salariais constituem prejuízos irreparáveis no cálculo da futura pensão de aposentação. Exige-se, por isso, que o tempo não recuperado na carreira possa ser usado para despenalização do fator idade no cálculo da pensão. Esta exigência ganha ainda maior importância pelo facto de o governo se opor a um regime específico de aposentação dos professores e, apesar de ter aprovado um regime de pré-aposentação, pelo que afirma, não o pretender aplicar.
11. Este roubo de mais de 6,5 anos de tempo de serviço poderá ser evitado pela Assembleia da República
A Assembleia da República pode fazer justiça aos professores e eliminar a discriminação entre os docentes do Continente e os da Madeira e Açores, recuperando a totalidade dos anos de trabalho cumpridos. Apesar do anunciado voto contra do PS e do não-compromisso do CDS-PP, o número de deputados dos partidos que já anunciaram votar favoravelmente a recuperação total (PSD, PCP, BE, PEV e PAN), no âmbito dos pedidos de apreciação parlamentar apresentados, é suficiente para reparar os danos causados pelo governo, qualquer que seja o regime a considerar. Nesse sentido, os professores depositam confiança na Assembleia da República.
12. Não é verdade que os professores possam escolher entre o melhor dos dois mundos, como afirmou o ministro, pois o mundo que o governo lhes oferece é só um: o do desrespeito pelos professores
Dois mundos teriam, necessariamente, de ser diferentes e o que é dado a escolher aos professores é entre duas modalidades do mesmo mundo, aquele que lhes rouba mais de 6,5 anos de serviço cumprido e, portanto, apaga parte da sua vida profissional. O ministro faz parte desse mundo que desrespeita os profissionais docentes e o seu trabalho, pelo que o melhor do mundo para os professores seria ter um Ministro para a Educação e um governo que os respeitasse. Enquanto isso não acontecer, os professores não desistem de lutar.