quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Opinião

1. Os roteiros estavam feitos, os actores sabiam de cor e salteado as falas de que foram incumbidos. Mal se soube que o despacho do MP tinha poupado José Sócrates no caso Freeport (e todos aqueles com responsabilidades públicas à data dos factos) foi o próprio a dar o mote - na alocução ao país de 28 de Julho, quando disse esperar que aquela fosse "a última vez que falava no assunto"-, Sócrates disparou o tiro de partida para uma operação político-mediática bem urdida cujos efeitos se pretendiam estender para além do Verão.
Logo, os socráticos encomendados galrearam a lenga-lenga que procurava ilustrar o primeiro-ministro como um político imaculado que conspirações tenebrosas e sinistras tentaram, em vão, imolar. Tratava-se de um esforço gigantesco de vitimização, que deveria exibir Sócrates em clássica postura de martírio e como um sofredor de iniquidades tremendas. Malharam em tudo e todos que não tivessem admitido os dogmas da fé na inocência do líder socialista antes mesmo de qualquer diligência investigatória. Exigiram desculpas públicas àqueles que estranharam a intervenção de Sócrates no Freeport e que censuraram o modo como ele se quis defender arrastando para a investigação uma dose nauseabunda de ruído político.
A manobra estava montada e foi iniciada - mas correu muito mal devido à revelação de um conjunto de verdades acerca dos descaminhos da investigação que "vieram ao de cima", ainda não tinham decorrido dois dias do despacho pretensamente redentor.
2. O feitiço virou-se ferozmente contra os aprendizes de feiticeiros - o momento planeado para ser a alavanca do retorno do esplendor socrático, afinal, converteu-se numa angústia política. De repente, tornou-se óbvio que a investigação tinha sido condicionada e que os procuradores percorreram solitariamente um labirinto cheio de alçapões e pejado de Minotauros hierarquicamente alicerçados.
Percebeu-se, também, que a inserção no despacho das 27 perguntas que os investigadores queriam colocar a Sócrates foi negociada com a indizível Cândida Almeida e que o PGR deveria saber de tudo. Que foi formalmente pedida a audição do primeiro-ministro - sem que a mesma Cândida Almeida desse qualquer resposta escrita. Que o fim do inquérito foi imposto verticalmente não dando espaço para que o relatório da PJ (12 de Julho) tivesse seguimento.
Pior: perante aquela barafunda muito duvidosa, Pinto Monteiro enceta uma apatetada fuga para a frente, jura que os procuradores "ouviram quem quiseram e como quiseram", ataca o sindicato dos magistrados do MP e tenta esconder a sua patente ineptidão com a habitual queixa de falta de poderes - carência que, curiosamente, não se notou na sua salvífica intervenção no processo Face Oculta…
Das duas, uma: ou o PGR mentiu; ou, incrivelmente, não conhecia o que se tinha passado na investigação e, ainda assim, pronunciou-se terminantemente sobre ela. Em qualquer dos casos, é por demais evidente que Pinto Monteiro tem de ser higienicamente afastado - tal como a sua "duquesa" favorita, Cândida Almeida.
3. A "táctica Calimero" visava mascarar Sócrates de vítima - mas, sobretudo, buscava engendrar alarido suficiente para ocultar os imensos desaires da governação: ministros que só servem para adornar anedotas; o desemprego a disparar; a despesa pública a aumentar; o indecoroso crescimento do número das empresas públicas e dos seus bem providos gestores; a embrulhada das Scut; uma ministra da Educação que tem o despudor de querer importar lógicas escandinavas quando as nossas escolas são tratadas à marroquina; e a sua colega da Saúde cujo único desígnio conhecido passa pelo saltitar entre planos de vacinação. Enfim, convinha tapar a mediocridade de um Executivo irrecuperavelmente errático em quem já nem os socialistas acreditam.
Em lugares como Portugal, Itália ou em países da América do Sul, nunca os líderes políticos tombarão devido a questões éticas - de igual modo, Sócrates acabará por sair de cena por ser um primeiro-ministro desastroso. Nesse domínio, nem mesmo a extremosa Cândida Almeida lhe poderá valer.

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