quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Opiniões - Santana Castilho

Coisas que me fazem cair da paciência abaixo
1. A Lusa divulgou que o PSD irá submeter à apreciação da Assembleia da República uma proposta para que passem a ser atribuídos gratuitamente os manuais escolares a todos os alunos do ensino obrigatório. Esta coisa disparatada, digo eu e adiante justifico, foi revelada, disse a Lusa sem desmentido, pelo vice-presidente do PSD, Marco António Costa. Marco António Costa terá feito contas e concluído tratar-se apenas de 200 milhões de euros de 4 em 4 anos. Marco António Costa compadeceu- se com as dificuldades da maioria das famílias da classe média e acha que se pouparia muito dinheiro porque o Estado gasta 50 milhões de euros em cada ano para atender só a algumas crianças. Marco António Costa manifestou pressa, desejando que a medida produza efeitos já a partir do próximo ano lectivo, e criticou o Governo por falar de Estado social ao mesmo tempo que diminui os apoios às famílias.
Enquanto os gravíssimos problemas do sistema de ensino têm merecido um silêncio ensurdecedor por parte do PSD, o partido trouxe a público um não problema. Todo o negócio dos manuais escolares não está isento de críticas. Mas está longe de constituir prioridade e muito menos em obediência a mais um ímpeto centralista e estatizante. Onde fica a coerência política do PSD quando, e bem, exige cortes na despesa e, assim, com espantosa ligeireza, propõe aumentá-la desnecessariamente? É que os 50 milhões anuais invocados, ao que parece para chegar aos 200 quadrienais, não pagam só livros escolares. Pagam outros apoios sociais, entre os quais alimentação e transportes. Deu-se conta que ao falar de ensino obrigatório já não está a falar de 6 ou 9 anos, mas de 12? Terá a mínima ideia de quanto isso custaria? O PSD, que convocou os portugueses para discutirem em sede de revisão constitucional o princípio da gratuidade universal dos sistemas de saúde e educação, em nome da justiça social, propõe, do mesmo passo, oferecer os manuais escolares aos eventuais netos de Belmiro de Azevedo ou Américo de Amorim? Ou aos filhos de Mourinho ou Cristiano Ronaldo? Deu-se conta que já existe uma lei, a 92/2001, publicada a 20 de Agosto, que dispõe para os primeiros 4 anos do ensino obrigatório o que agora anuncia para 12? Por que nunca terá sido integralmente cumprida essa lei? Pensou nisso?
Embora não tenha sido explicitado, é óbvio inferir que se trata de um sistema de empréstimos. A iniciativa tem experiências noutros países, que devem ser analisadas. Vejamos, por exemplo, a francesa: as 50 editoras existentes à data do início do programa foram reduzidas a 3; o peso do livro escolar no mercado editorial caiu de 21,6 para 11,9 por cento; tendo a França uma pujança económica e financeira bem diferente da nossa, nunca conseguiu generalizar o sistema, ficando-se, na reforma de 1987, por uns mais que insuficientes 49 francos por aluno; a máquina administrativa necessária para gerir o programa consumiu mais de 30 por cento do orçamento respectivo; disparou a reprodução ilegal de livros e apurou-se que o gasto com fotocópias foi duas vezes e meia o gasto com os livros; de forma kafkiana e à boa maneira centralista, o Estado passou a financiar programas de ajuda às livrarias falidas, para obstar ao empobrecimento cultural das comunidades periféricas. É este cortejo de anacronismos que o PSD quer? Joga isto com o seu discurso liberalizador?
2. O mérito é constantemente invocado por vendilhões sem mérito. Na mesma semana em que um deles foi a uma das mais prestigiadas universidades americanas defender as novas tecnologias, soubemos que o camartelo administrativo varreu do mapa a única escola portuguesa que integrava a  rede mundial das escolas inovadoras. A Microsoft escolheu a EB1 de Várzea de Abrunhais pela forma como estava a utilizar o equipamento informático instalado e pela forma como os seus 32 alunos interagiam entre eles e aprendiam usando a Internet. Sócrates e a sua ministra engomadinha premiaram os petizes e a respectiva professora: transferiram-nos todos para um moderníssimo centro escolar sem telefone nem Internet.
3. Falei no último artigo do pouco crédito que confiro ao que a OCDE diz sobre o nosso sistema educativo e lamentei as ideias que presidem ao editorial que o respectivo secretário-geral, Angel Gurria, escreveu para o Education at a Glance deste ano. O senhor esteve em Lisboa para nos obsequiar com 8 medidas para sermos felizes. Leiam a sétima e vejam como, a propósito dela, elogia as políticas educacionais do nosso Governo, designadamente o programa Novas Oportunidades. Espero que quem tinha dúvidas puxe agora o autoclismo!
4. Miguel Sousa Tavares falou mais uma vez dos professores, na SIC. Miguel Sousa Tavares não pode fundamentar opinião com afirmações factualmente falsas. É grosseiramente falso que todos os professores passaram a ganhar mais automaticamente. Além disso, como aqui escrevi e Miguel Sousa Tavares não poderá desmentir, exceptuando a chaga dos desempregados, são os professores os mais penalizados pelos governos de Sócrates: viram salários congelados, carreiras congeladas e degradadas e tempos de trabalho aumentados; têm a maior carga horária da OCDE e o mais baixo salário. Está tudo escrito em documentos oficiais, que não podem ser ignorados por quem se expressa publicamente.
Público 29/09/2010

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