Santana Castilho - Público
1. Quando se inquirem os portugueses relativamente à confiança que depositam nos diferentes grupos profissionais, os professores figuram nos lugares cimeiros. Em sentido inverso funciona a confiança dos professores nos políticos que os tutelam. Ontem, isso mesmo ficou patente no seu protesto público. Tirando a casca ao discurso do Governo, resulta o vazio do que já devia ter sido feito.
Os normativos que regulam a carreira docente estão inertes em matéria de direitos. Urge regular as ilegalidades que foram acumuladas ao longo dos tempos e assegurar a contagem de todo o tempo de serviço prestado pelos docentes. Urge assumir que o congelamento da progressão na carreira cessa a partir do início do próximo ano. Urge deixar de classificar como trabalho não lectivo o trabalho que é efectivamente lectivo e estripar do dia-a-dia da docência a inutilidade de milhentas tarefas burocráticas estúpidas, que apenas funcionam como elementos de subjugação a favor de chefias inaptas. Por outro lado, cerca de metade das situações de contratação precária por parte do Estado dizem respeito a docentes. Neste contexto, é imperioso que o Governo cumpra, sem truques, a Directiva 1999/70 da Comissão Europeia.
No quadro mais restrito da gestão das escolas, três vertentes são incontornáveis: reversão da enormidade dos agrupamentos, alteração do modelo de gestão e garantia de que a chamada descentralização de competências passa pelo aumento da sua autonomia, que não pela entrega às autarquias de responsabilidades que pertencem às escolas.
2. Os recentes acontecimentos de Torremolinos evidenciaram confusões de apreciação que merecem rejeição preocupada. Entendamo-nos: a frequência dos incidentes com estudantes nunca lhes pode conferir normalidade; há limites que têm que ser estabelecidos e em circunstância alguma podem ser ultrapassados; é inaceitável que se desvalorize o problema com atenuantes que fomentam a irresponsabilidade; o Ministério da Educação não pode continuar alheio a um fenómeno que se tornou recorrente e também lhe diz respeito.
A Escola não será directamente responsável por problemas de comportamento que devem ser tratados pelos pais. Mas não pode ficar alheia a eles e deve aceitar que tem aí responsabilidades indirectas, via indisciplina escolar. Com efeito, o laxismo face a insultos e agressões entre alunos, a permissividade relativa à linguagem obscena que se tornou normal nos corredores e recreios, a tolerância com os telemóveis que tocam durante as aulas e todo um cortejo de comportamentos disruptivos que se banalizaram são obstáculos de monta à qualidade cívica do relacionamento interpares e estão na génese da evolução para situações de pré-delinquência. Fenómenos sociais complexos removeram os traços de autoridade inerentes à condição de ser professor e modificaram a representação que a sociedade tem da profissão. Esta circunstância tornou central a necessidade de que a sociedade, toda a sociedade, crie novas formas de apoiar os professores na tarefa gigante de ensinar e educar os filhos de todos os portugueses. É, assim, essencial reforçar e ampliar o trabalho das poucas estruturas de mediação entre a Escola e a Família e passar da simples retórica discursiva, inconsequente, para políticas eficazes de valorização social e profissional dos professores.
3. O estudo da generalização do uso de manuais digitais foi aceite pelo Parlamento, após proposta do PEV. É preocupante a tendência para substituir livros por recursos digitais, sem estarem apuradas as consequências que daí podem advir para os alunos, em sede de desenvolvimento cognitivo. Com efeito, o avanço recente do conhecimento nesta área põe reservas fortíssimas à ideia segundo a qual é desejável a imersão total dos jovens na tecnologia digital. Outrossim, o que a psicologia cognitiva nos vai dizendo é que não chega fornecer ferramentas digitais para que o conhecimento se adquira, já que essa aquisição segue processos cerebrais que pouco distinguem o “nativo digital” do adolescente das cavernas.
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