Educação. A criança e o direito a brincar
por alho_politicamente_incorreto, em 21.03.19
Como já afiancei neste espaço, há duas décadas que o Estado tem optado por sobrecarregar a Escola com toda a sorte de atribuições. Lá no fundo, endossou-lhe os problemas que não sabe ou não quer resolver, sem sequer cuidar de investir em mais e melhores recursos. Esta tropelia populista, que traz votos, fragilizou a autoridade dos Professores e desvirtuou a função da Escola.
A sociedade tem de se preocupar - influenciando tendências e condicionando opções – com a perigosa deriva estatal de enclausurar as suas crianças, dos 6 aos 9 anos de idade, em salas subequipadas, por períodos nunca inferiores a 5 ou mais horas/dia, com atividades invariavelmente dirigidas por adultos. Este desmando, de cariz demagógico, a coberto de inquinado fito de garantir “escola a tempo inteiro”, tem satisfeito os mais distraídos e convencido os mais insensíveis.
Na base desta sanha cruel, está, afinal, um crescente desinvestimento na Educação que tem disfarçado incúrias várias. Desde logo, a incapacidade – ou a falta de coragem? – de rever programas e metas curriculares, compatibilizando-os com os estádios de desenvolvimento consensualizados pela inteligência contemporânea. A extensão e a complexidade das aprendizagens impostas pelos “especialistas” eleitos pela tutela, ao arrepio de tudo o que se pratica e otimiza no mundo desenvolvido, apenas servem para justificar uma estranho fadário de experimentalismos que nunca satisfarão um ministério apostado em vergar os profissionais da Educação, com a toda a artilharia administrativa e bur(r)ocrática ao seu alcance, pois presume que assim dobrará cabeças ao nível do papel, na vã esperança de, por essa via, também vergar consciências e outros valores estruturantes.
A convenção dos Direitos da Criança (Unicef, 2004), refere o brincar como um princípio fundamental e particular da criança se exprimir, pensar, interagir e comunicar com outras crianças. Assim, a brincadeira é cada vez mais encarada como uma atividade que promove o desenvolvimento global da criança, pois incentiva à interação entre pares e adultos, promovendo a resolução de conflitos, condição essencial à edificação de cidadãos críticos e reflexivos.
Lev Vygotsky, um dos maiores vultos da psicologia histórico-cultural, afirmava que o sujeito se constitui ao relacionar-se com os outros em atividades “caracteristicamente humanas”. A brincadeira infantil, nesse sentido, é uma maneira de a criança se expressar e formar sentidos sobre o mundo. Por meio da brincadeira e de atividades lúdicas, a criança atua simbolicamente nas diferentes situações que experiencia, elaborando conhecimentos, significados e sentimentos.
Quando as crianças brincam, assumem diferentes papéis. Assim, criam mecanismos para agir diante da realidade, substituindo ações quotidianas pelas ações cumpridas no papel que assumem. É através das brincadeiras que a criança estabelece contacto com o mundo físico e social.
Brincar é, mais do que nunca, crucial no desenvolvimento social, emocional e cognitivo da Criança. É importante frisar que o brincar e o jogar não se resumem apenas a formas de divertimento e de prazer para a criança. Na verdade, são meios privilegiados de expressar sentimentos e de aprender.
Brincar potencia o desenvolvimento do raciocínio, da atenção, da imaginação e da criatividade. Brincar implica novos códigos, novas linguagens, que ajudam a Criança a pensar a realidade de forma criativa e integrada.
Cumulativamente, importa ressalvar que brincar desempenha um papel igualmente importante na socialização da Criança, consentindo-lhe que aprenda a partilhar, a cooperar, a comunicar e a relacionar-se, desenvolvendo, complementarmente, a noção de respeito por si e pelo outro, bem como sua autoimagem e autoestima.
A escola portuguesa, ao nível do 1.º Ciclo, parece assemelhar-se, na carga horária e na componente curricular, a um cardápio inusitadamente cruel e (aparentemente) inesgotável de más orientações e de nocivas prioridades que apoucam direitos elementares da Criança. Um penoso caudilho de omissões e conivências que poucos parecem estar dispostos a contrariar.
Em resumo, assoma-se a exortação de, uma vez mais, afirmar o óbvio: à Criança deve ser restituído o direito a brincar.
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