Para lá da fumaça
Santana Castilho - Público
Daqui a quatro dias, todos poderemos votar (sem que nos possamos candidatar) para eleger alguns que, maioritariamente, nem sequer conhecemos. Chamamos a esta liturgia, de certa menoridade política, eleições legislativas. Neste cenário, demasiados protagonistas comportam-se como as antigas máquinas do tempo do vinil: tocam a música escolhida por quem tiver a moedinha. Exemplo? A repercussão que teve, em plena campanha eleitoral, a iniciativa de António Guterres.
Se aos dezasseis anos uma jovem portuguesa deixasse de ir às aulas, ainda que para defender uma causa tão nobre como a que Greta Thunberg defende, que diríamos dos seus pais e das autoridades? Se uma jovem diagnosticada com síndrome de Asperger fosse submetida à exposição e à pressão emocional a que Greta Thunberg está continuadamente sujeita, que pensaríamos do dever social de protegermos os menores, sobretudo antecipando o efeito que o fim da fama (que obviamente acontecerá) provocará no seu conturbado equilíbrio psicológico? Por iniciativa própria ou usada por outros, é inegável que Greta Thunberg teve o mérito de mobilizar o mundo, como outros não conseguiram. Mas porque a sua causa é boa, devemos ficar infantilmente embasbacados ante a sua retórica totalitária e o seu discurso populista? Que pensar dos políticos que a aplaudiram, depois de terem sido insultados por ela?
É perturbador ver o ódio na cara de uma jovem de dezasseis anos, enquanto o mundo, ávido de circo e sedento de emoções, fica embevecido com as divagações comuns com que ela trata o problema mais complexo e global que nos assola, como se os grandes emissores de CO2 se comovessem com os seus apelos.
Não quero subestimar o problema climático para que tantas instituições científicas nos vêm alertando. Mas tão-pouco posso ignorar a intoxicação das nossas cabeças com soluções que ignoram a sua complexidade. Não quero subestimar a iniciativa meritória da ONU. Mas tão-pouco posso ignorar a displicência com que parece olhar para a tensão entre a Arábia Saudita e o Irão que, essa sim, se explodir, provocará um “aquecimento” fatal, antes que a Greta volte à escola.
Depois disto veio Tancos. E na campanha ficarão por debater, para lá da fumaça, tantos temas decisivos para o nosso viver próximo, entre outros: a dívida pública e a dívida dos privados; o domínio estrangeiro sobre os nossos sectores estratégicos; a política externa, num quadro em que as relações internacionais são cada vez mais relações económicas e Portugal é um país economicamente dependente do exterior; as relações com a comunidade de língua portuguesa; o impacto da organização do trabalho na vida familiar e desta no aumento da indisciplina na escola e da violência (física e psicológica) no relacionamento entre os jovens; o despovoamento e a desertificação do interior; o equilíbrio entre o turismo de massas e o direito de vivermos com tranquilidade na nossa terra.
A análise dos programas eleitorais e o decurso da campanha que os promove mostra que a Educação não é tema que preocupe prioritariamente os partidos políticos. Mais do que a pobreza e inadequação de muitas propostas, é preocupante sabermos que o vencedor fará delas doutrina, sem qualquer sentido de urgência para resolver os problemas do sistema de ensino. Porque os políticos continuam a não entender que o que se passa é um problema deles e não dos professores já que, por mais variáveis que a Escola possa controlar, boa parte do que nela acontece é corolário das condições sociais e emocionais em que os seus alunos vivem. Com efeito, seria imperioso que os políticos entendessem a natureza holística da educação dos jovens, juntando ao currículo académico apoios sociais, médicos e psicológicos, para que a Educação se tornasse o factor mais poderoso de promoção da qualidade de vida de cada ser. Mas os problemas têm passado de governo em governo sem que o maior, qual seja o separar o interesse da criança, enquanto indivíduo, do interesse e das solicitações da sociedade, enquanto forma de organização colectiva, seja considerado resolutamente e financiado adequadamente.
Com este pano de fundo, precisávamos de um ministro que olhasse a Educação de cima a baixo. Provavelmente engoliremos, calados, um que vai olhar o chefe de baixo para cima.
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