Isto está tudo ligado
Paulo Guinote
A agenda mediática tem andado, em matérias de Educação ou afins, muito ocupada com fenómenos como a escassez de professores em vários grupos disciplinares e a violência e indisciplina nas escolas. Mas têm tratado ambos de forma estanque e sem parecer existir qualquer percepção da forma como estão ligados.
A falta de professores é algo que resulta de múltiplos factores para além da questão da deslocação e preço de quartos ou casas para alugar. Desde que me lembro, sempre existiram milhares de professores, contratados mas não só, obrigados a deslocar-se e a pagar para se instalarem para o novo ano lectivo. Na primeira metade dos anos 90 do século XX, quando havia ainda contos de réis, um quarto alugado na periferia de Lisboa, com mais ou menos serventias, levava 25 a 30 contos de um ordenado que, em termos líquidos, ficava pouco acima dos 100, em caso de horário completo. Fora as deslocações semanais para casa. O que era diferente é que mesmo com horário completo inicialmente, era comum que ele pudesse ser completado e até final do 1º período isso significava um ano de tempo de serviço. Havia instabilidade de ano para ano mas, em regra, existia alguma estabilidade durante o ano. Durante esse período, em que nunca concorri como contratado para muito longe e sempre para horários superiores a 145 horas, nunca passei pela necessidade de uma dupla colocação ou a ter de completar horário em várias escolas. É certo que estive um ano inteiro com 21 horas e outro com 18, mas nada que se compare com o que se passa agora.
Por estes dias, a situação de dupla instabilidade alia-se à degradação material das remunerações (se um quarto consumir 300 ou 400 euros de um salário inferior ou a rondar os 1000 líquidos, será racional a opção por aceitar uma colocação longe de casa?), à desvalorização simbólica da docência e à incerteza quanto à possibilidade de alguma vez se ingressar na carreira. O burnout precoce de muitos professores contratados é uma realidade e não apenas um problema dos “velhos” e o sentimento de desânimo e desmotivação é natural quando se anda em regime de turbo-professor e 7-8-10 turmas em 2 ou 3 escolas.
Não é de estranhar que, assim, sejam muitos os horários que ficam por preencher e, como consequência, existam turmas que durante meses inteiros estão várias horas por semana sem aulas, acabando por deambular pelo espaço escolar nem sempre com um propósito claro ou útil e perdendo rotinas de trabalho em sala de aula. O que também prejudica todo o processo de adaptação quando, por fim, chega @ docente substitut@ e é necessário estabelecer uma relação estável de trabalho. Acresce a isto que a desregulação dos procedimentos de colocação/contratação têm permitido um modelo em que não é raro que quem aceitou um horário, dias ou semanas depois o recusem, indo em busca de outra colocação. O que é a outra face da precarização da docência.
Esta desorientação ao nível de uma gestão míope dos recursos humanos que se pretende de “boa governança”, fascinada pelas poupanças feitas e pelos objectivos alcançados de “redução da despesa” transmite-se com uma grande rapidez ao quotidiano da vida das escolas e potencia situações de instabilidade nos alunos, quer porque ficam com muito tempo desocupado, quer porque muitas vezes não chega a existir tempo para estabelecer uma relação produtiva de trabalho entre os grupos-turma e @s professor@s que chegam e partem, sendo encarad@s como ocasionais. E quando essa base se esboroa, muito mais entra em colapso. Mesmo que se esconda isso com uma política de sucesso por decreto.
Acham que a indisciplina e o desrespeito em relação aos docentes é um fenómeno desligado da sua escassez e da precarização da sua situação laboral? Pensem melhor…
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