terça-feira, 24 de novembro de 2009

PORQUE QUEREM AVALIAR OS PROFESSORES?

Porque querem avaliar os professores?
Por teimosia? Para castigo? Por rancor? Por mero princípio de igualitarismo social? Para imprimir uma diferenciação meritocrática à sua carreira?
Diríamos: há quem o queira fazer por tudo isso, mas também há quem deseje outra qualquer coisa que conviria esclarecer de momento.
O que imprime esta repentina fúria determinista quanto à avaliação de desempenho dos docentes, com objectivos meramente burocráticos e administrativos, é um movimento mais profundo e subliminar de fazer projectar na escola um conjunto de princípios e valores de uma sociedade neo-liberal a que a instituição escolar, enquanto reduto de cultura e saber, tinha conseguido escapar. Movimento esse que está relacionado com a necessidade de controlo social de uma classe que, até ao termo século XX, reclamou a autonomia da sua profissionalidade e exerceu uma eficaz gestão democrática das escolas.
O que se pretende não é aplicar um “modelo” de avaliação. A actual legislação não prevê qualquer “modelo”. Um modelo, todos o sabemos, é um paradigma, é um arquétipo, um exemplo alicerçado numa filosofia de princípios e de valores. Um modelo, diria Weber, é um “tipo ideal” e, por isso mesmo, dificilmente atingível, mas que nos deve guiar no estabelecimento de alvos e de condutas. E, precisamente porque é difícil alcançar, admite o erro e a justa tentativa de remediação.
Por exemplo: não há nenhuma sociedade que, em rigor, corresponda a todas as especificações do “modelo” de democracia parlamentar. Mas, sem esse “modelo ideal”, as sociedades democráticas perderiam o paradigma que as leva à auto-crítica e ao aperfeiçoamento contínuo.
Ora, dizíamos, o que lemos na actual legislação sobre a avaliação de professores não corresponde a um “modelo” sólido de um projecto contínuo e consistente. Quando muito, vemos aí um conjunto de “instrumentos” e “normativos” que pretendem aplicar um “sistema operacional”, diferenciador da função docente, com base em critérios duvidosos, e cuja aplicação redunda num desesperado e fatigante esforço diário dos professores, e cujo resultado só serve a tentativa de maior instrumentalização, docilização, estratificação, burocratização e controlo da classe.
Sob o princípio - “Não pensem. Cumpram e façam!” – co-existe uma vergonhosa tentativa de retirar à classe a sua profissionalidade, aumentando o seu desgaste profissional e contribuindo para a sua “proletarização”.Faz agora um ano que tentámos responder à pergunta: “Avaliar professores é fácil?” (ver Ensino Magazine, nº 130, Dezembro 2008 - http://www.ensino.eu/2008/dez2008/editorial.html).
Então, escrevíamos: “Não! A avaliação de professores não é uma tarefa simples. Que o digam os supervisores que, durante décadas, promoveram a formação inicial e permanente dos nossos docentes. Para avaliar professores requerem-se características pessoais e profissionais especiais, para além de uma formação especializada e de centenas de horas de treino, dedicadas à observação de classes e ao registo e interpretação dos incidentes críticos aí prognosticados. Cuidado com as ratoeiras! Quem foi preparado para avaliar alunos não está, apenas pelo exercício dessa função, automaticamente preparado para avaliar os seus colegas…”
O que levou cerca de cem mil professores à rua não foi, certamente, a tentativa de cair na ratoeira. Não foi, seguramente, a tentação de erguer o “albergue espanhol” que resultará da inconsistente combinação da aplicação do actual “sistema” de avaliação, com a célere e ambígua construção de um novo “pseudo modelo” que se lhe deverá seguir, sem qualquer interrupção...
Os professores merecem mais que isso. Merecem o respeito que se exige num olhar responsável e atento da sua actuação profissional, a qual não se reduz aos indicadores observados e coligidos dentro da sala de aula.
Um bom professor é-o em inúmeras situações: como pedagogo, como homem de ciência, como gestor, como negociador, como mediador, e até como benemérito assistencialista. Logo, como se verá, a elaboração cuidada dos indicadores de avaliação remeterá muitas das preocupações do actual “sistema” para outros momentos avaliativos, como o são a avaliação externa das escolas, a auto-avaliação e o resultado das actividades de mútuo desenvolvimento e de avaliação recíproca proporcionados pelo coaching.
A avaliação de um professor requer, pois, uma actividade continuada, com a múltipla intervenção de uma diversidade de agentes, porque importam mais as actividades de reformulação que venham a ser consideradas e aconselhadas do que o simples diagnóstico da sua situação em determinado momento.
O compromisso com essa indispensável tarefa requer mais tempo e muita responsabilidade institucional. A não ser que os intervenientes que se sentam à mesa da actual negociação estejam dispostos a encontrar um “modo” que sirva a todos, em vez de procurarem elaborar um “modelo” que favoreça a melhoria da escola e o crescimento pessoal e profissional dos professores e dos educadores.
João Ruivo

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