A dislexia das crianças e a dislexia dos que mandam
1. O júri nacional de exames (JNE) recusou que a uma aluna de 14 anos fosse lido o enunciado do exame a que se submetia, obrigatoriamente. A aluna é disléxica. A leitura era prática seguida há anos. Aparentemente, a questão resume-se a saber se a um aluno disléxico devem ou não ser lidos os enunciados dos exames. O JNE diz que não. Os especialistas dizem que sim, pelo menos em casos determinados, dependendo da dificuldade do aluno. No caso em apreço, a escola da aluna recomendou a leitura. A terapeuta que a assiste também, aliás secundada pela respectiva direcção regional. Alega o JNE que os alunos disléxicos têm uma tolerância de 30 minutos relativamente ao tempo de duração das provas e são classificados segundo regras concebidas para que as suas limitações não se reflictam no resultado final. O JNE invoca uma generalização de abusos quanto a condições especiais, que se tornaram regra para alunos disléxicos. Da literatura disponível sobre a matéria inferem-se factos, a saber: a dislexia é uma limitação do foro neurológico, com diferentes graus de gravidade; uma dislexia moderada pode dispensar a leitura do enunciado dos exames, mas uma dislexia severa não; assim, alguns disléxicos podem cognitivamente dominar um saber e prová-lo se interrogados oralmente, embora não consigam entender ou sequer ler a pergunta, se esta for formulada por escrito. Num exame de Matemática, por exemplo, mede-se um conhecimento específico que um aluno pode deter em grau máximo, apesar da sua dislexia severa. Mas não o conseguirá provar se as questões estiverem escritas. Num exame de Português, o mesmo aluno pode ter uma fina capacidade de interpretar um texto complexo que lhe seja lido. Mas não entenderá coisa alguma se for obrigado a lê-lo. Pode o Estado certificar proficiência em leitura a um aluno com uma dislexia severa? Não. Mas não pode deixar que a limitação do aluno se reflicta noutras áreas do conhecimento, somando à respeitável penalização da natureza humana com que aquele aluno nasceu, outra penalização, desta feita nada respeitável. Porque entre o tempo em que se fechavam em galinheiros crianças deficientes e hoje houve um percurso, embora a tónica esteja agora posta em retrocessos a que chamam progressos. Não é redundante, por isso, recordar a alguns disléxicos que mandam que estão para breve mais exames a que se submeterão mais alunos disléxicos, com níveis de conhecimento que nunca poderão demonstrar se os econometristas da moda persistirem em confundir velocidade com toucinho, uma recorrente dislexia política dos tempos que correm..
2. Passos Coelho e Miguel Relvas, que se saiba, não são disléxicos, por via neurológica. Mas dão sinais preocupantes de dislexia política. As afirmações do primeiro sobre a ventura feliz que o desemprego constitui, demonstraram uma profunda incapacidade de leitura do drama social dos portugueses desempregados. E a censura cínica que lhes dirigiu por preferirem ser assalariados a “empreendedores” (ele que, no curto tempo em que desempenhou alguma actividade produtiva se acolheu prudentemente ao Estado e a Ângelo Correia) mostra que não sabe, também, ler dados estatísticos. É que, se por um lado Portugal é o quarto país da OCDE que mais empresários tem, por outro, três quartos das empresas criadas ficam insolventes nos primeiros anos de actividade. Se esta dislexia for recuperável, perceberá um dia, tarde, que as causas do desastre, a que ele chama sorte, são outras. Começando por ele e pelo seu pensamento fundamentalista, socialmente darwinista.
Quanto ao homem do avental, ele que ousa dissertar sobre “jornalismo interpretativo”, acometido que parece de dislexia político/comunicacional (que generoso estou, não falando de pulsões chantagistas), avanço propostas terapêuticas para a interpretação do “texto”, que qualquer assessor lhe pode ler:
- Diga, em adenda à carta que dirigiu à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, se sim ou não ameaçou a jornalista Maria José Oliveira com a publicação de dados sobre a sua (dela) vida privada.
- Diga, do mesmo passo, como saneia uma aparente contradição, quando depois de garantir que conheceu o ex-espião Jorge Silva Carvalho depois de Março de 2010, referiu na Assembleia da República ter dele recebido um “clipping” reportando uma visita de Bush ocorrida … em 2007. Esclareça se era habitual Silva Carvalho fazer “remakes” do “Canal História”, via SMS.
Claro está que isto é retórica de escriba. De escriba que expôs ao ministro Relvas, acabado de empossar, uma estranha “dislexia”, que continua por tratar ou explicar. Ainda os casos Nuno Simas e Pedro Rosa Mendes vinham longe.
Santana Castilho
Público 23/05/2012
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