Daniel Sampaio - Público
Sonho muitas vezes com uma escola diferente. Uma escola básica e secundária que contribuísse para a descoberta e desenvolvimento de jovens alegres, amáveis e com interesse no mundo à sua volta. Uma escola onde predominasse o respeito recíproco entre alunos e professores (nos dois sentidos), entre pais e docentes e entre os estudantes. Uma escola onde a violência física e psicológica fosse identificada, prevenida e combatida através de programas, sempre com a participação dos mais novos (sobretudo daqueles que assistem sem nada fazer). Uma escola em que o desenvolvimento da inteligência emocional e a melhoria do relacionamento interpessoal fossem parte integrante do projecto educativo. Uma escola em que a Educação para a Saúde tivesse um lugar fundamental e pudesse integrar informação sobre as etapas do desenvolvimento dos alunos, os problemas das famílias de hoje, o consumo, as questões dos media e tantos outros assuntos da vida quotidiana.
Àqueles que me consideram utópico, pergunto: pode-se educar sem sonho? Consegue-se dormir bem “vivendo um dia de cada vez”, como oiço tantas vezes? E respondo: podemos fazer muito melhor. Na diversidade marcada de tantos estabelecimentos de ensino, há experiências positivas que precisam de ser estudadas e replicadas. Cruzar os braços não levará a nada.
Infelizmente, o panorama global é desolador. Os resultados académicos são medíocres, a indisciplina predomina e a desmotivação de professores e alunos aumenta todos os dias.
Muitos professores parecem esquecer que a sua relação com os alunos tem de compreender respeito para com os mais novos, firmeza e ensino motivador e interessante. Infelizmente, muitos docentes fazem a leitura do manual, falando sem cessar durante 90 minutos. Escasseiam o trabalho de grupo, a pesquisa e o conhecimento pessoal de muitos alunos. Por vezes, há problemas na regulação da distância: alguns docentes falam dos seus filhos, dos animais que têm lá em casa ou das crises pessoais que estão a atravessar. Nas últimas semanas, ouvi relatos de sala de aula onde a professora falou da morte do gato e das travessuras do filho… enquanto os alunos riam ou faziam gestos de enfado.
Os estudantes estão na sala de aula por obrigação, mas sem entusiasmo. Os telemóveis são utilizados sem cessar, na aula e nas pausas, mesmo nas escolas onde até nos intervalos estão totalmente proibidos (uma medida exagerada que é posta em causa todos os dias, com os aparelhos a ser confiscados a um ritmo impressionante, para mais tarde serem devolvidos aos pais, sem que haja qualquer mudança). Estudam para os testes e depressa esquecem tudo: por exemplo, decoram umas frases sobre Gil Vicente e Camões, mas ninguém lhes fala do enquadramento histórico das obras e da vida dos respectivos autores. No pátio, em muitas escolas, a violência interpessoal abunda: estudantes física e ou psicologicamente mais frágeis são humilhados, sem que a escola organize atendimento para essas situações. Na sala de aula, a desatenção é a regra e a indisciplina é frequente.
É fundamental mudar o clima escolar. Os alunos precisam de limites na sua ânsia de crescimento e afirmação pessoal, mas necessitam de ouvir explicações razoáveis sobre as decisões dos professores. Os docentes não podem continuar sem apoios especializados para os novos dilemas da escola de hoje.
Como sempre, é na construção de uma relação singular entre o professor e o aluno que encontraremos o caminho da renovação.
Público, 01/02/2015
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