Uma Mistura Explosiva - Parte I
Assistimos à promoção de uma Educação Mínima (talvez a possamos chamar de “aprendizagens essenciais”) que tem como efeito a promoção activa da Ignorância, disfarçada por retóricas que apresentam os “Conhecimentos” como algo “empilhável” e muito relativo, em que Ciência e Crença são apresentadas quase (ou mesmo) como equivalentes.
Fala-se e escreve-se muito nos últimos tempos sobre Cidadania e a importância que tem a Educação para a sua promoção e para a formação de cidadãos responsáveis. No entanto, poucas vezes se fez tanto, em democracia, para a formação de uma nova geração de cidadãos incapazes de lidar com a multiplicação da informação disponível, através da desvalorização do Conhecimento e da promoção de “competências para o século XXI” que parecem pairar sobre um vazio imenso. Proclama-se a necessidade de uma Educação para o século XXI, mas despreza-se todo o trajecto cultural e científico que nos trouxe à actual era que se apresenta como sendo quase em exclusivo “tecnológica” e em que o contexto histórico é desprezado e os saberes “tradicionais” são assim qualificados como se isso fosse pejorativo.
Assistimos à promoção de uma Educação Mínima (talvez a possamos chamar de “aprendizagens essenciais”) que tem como efeito a promoção activa da Ignorância, disfarçada por retóricas que apresentam os “Conhecimentos” como algo “empilhável” e muito relativo, em que Ciência e Crença são apresentadas quase (ou mesmo) como equivalentes. Através de jogos hábeis de palavras apresenta-se como flexibilidade o que é truncagem ou amputação e como promoção do “pensamento crítico” o que na verdade é a sujeição a uma lógica transnacional para reformas curriculares que expurgam ou menorizam como a Filosofia ou a História, que se apresentam como “chatos” comparativamente ao apelo dos conteúdos fornecidos pelos meios digitais.
O resultado é a formação de uma maioria de cidadãos com um enorme défice para lidar com uma multiplicidade de informação que lhes surge por imensos canais, pois falta-lhes a capacidade para selecionar e dar sentido a essa informação, integrando-a no seu contexto.
Há perto de vinte anos, quando ainda a internet dava os seus segundos passos e era difícil imaginar como se fragmentaria e multiplicaria o panorama comunicacional global, Paul Virilio escreveria, com o pretexto do conflito no Kosovo, que “enquanto no passado eram a falta de informação e a censura que caracterizavam a negação da democracia pelo estado totalitário, o oposto é agora o caso. A desinformação é conseguida inundando os telespectadores com informação, com dados aparentemente contraditórios. A verdade dos factos é censurada pela sobre-informação (...). Agora, mais é menos. E em alguns casos é menos do que nada. A manipulação deliberada e os acidentes involuntários tornaram-se indistinguíveis” (Strategy of Deception. 2007, p. 48). E mais adiante acrescenta que “com a ‘libertação da informação’ na web, o que mais falta é significado ou, em outras palavras, um contexto em que os utilizadores da Internet possam colocar os factos e assim distinguirem a verdade da falsidade” (Idem, p. 78).
É falso que a “competência” para usar as tecnologias corresponda a uma capacidade de selecção de informação, a qual só se consegue com bases sólidas de conhecimentos e das técnicas/metodologias fundamentais para o estabelecimento do chamado “método científico” que permite distinguir o falso do verdadeiro, sem relativismos oportunistas, diferenciar o que é falsificável do que foi falsificado, separar correlações falaciosas do que são causalidades lógicas.
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