quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Juntas médicas são tarefa impossível e servem para lançar lama sobre médicos e professores

Torrar dinheiro, maltratar pessoas

1. Sim, eu sei que o OE para 2023 assenta num cenário circunstancial complexo, onde as incertezas dominam. Mas a estagnação que representa relativamente à despesa já consolidada de 2022, tomando por boa a justificação que a redução nominal de 569,1 milhões de euros se deve a transferências para os municípios, tem um inequívoco significado político, qual seja o de não haver um só euro para financiar os problemas mais prementes. Com efeito, com este orçamento é indesmentível que: os professores perderão poder de compra; os professores do continente continuarão à espera de serem ressarcidos do tempo de serviço sonegado (enquanto os colegas da Madeira e dos Açores já o recuperaram); os professores dos quadros continuarão à espera da abolição das iníquas quotas para progressão na carreira; os professores contratados continuarão vítimas da precariedade; o país continuará a ver crescer o número de alunos sem todos os professores (40 mil, um mês depois do início deste ano lectivo), porque este OE é vazio de incentivos à colocação de docentes nas zonas críticas e à atracção dos jovens para a profissão. Em contraponto, são abundantes os sinais de que se continuará a torrar dinheiro com programas de desmaterialização e digitalização, que alimentam o polvo das plataformas informáticas, corroendo, inutilmente, tempo e miolos de quantos trabalham nas escolas.

2. A Portaria n.º 723/2022 autoriza que se torrem 408.906,80€ na contratação de 7.496 juntas médicas, para fiscalizar os professores que pediram mobilidade por doença. Trata-se de uma tarefa impossível, segundo o vice-presidente da Federação Nacional dos Médicos, que tem por único objetivo lançar lama sobre médicos e professores. Mas, para além disso, o controlo previsto na lei só faria sentido se fosse antes dos processos apreciados. É inútil relativamente aos 4.268 docentes que lograram a mobilidade e é inútil relativamente aos 2.876 que ficaram de fora. Sem falar da total falta de seriedade que a manobra deixa antever e do historial de fraude e falsificação, que aqui denunciei, quando estas juntas já existiram no passado, no direito administrativo isto tem um nome: superveniência da inutilidade do acto.
Ainda a propósito deste processo grotesco, relembro que João Costa disse haver, por semana, mil baixas por doença, apresentadas por professores. Manhosamente, não as reduziu a termos percentuais. Se o tivesse feito, teria falado de 0,76% dos professores. Ora, há dias, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público revelou que quase um quarto dos magistrados, mais precisamente 23,1%, não está ao serviço. De entre as causas destacam-se as baixas médicas, que se cifram em 37,3% daquele número global. Será que o ministro da Educação vai sugerir à colega da Justiça que contrate juntas médicas para fiscalizar os magistrados?

3. Igualmente exemplo duma gestão desumanizada de pessoas é a situação dos técnicos superiores do Ministério da Educação (psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, entre outros) que, após anos de precariedade, conseguiram um vínculo através do programa PREVPAP. A efectivação em análise foi obtida em 2020, no agrupamento ou na escola onde exerceram funções em 2017, aquando da candidatura ao referido programa. Sucede que muitos destes técnicos ficaram colocados a centenas de quilómetros da sua residência, por isso impedidos de conciliar a vida familiar com a vida laboral e prestar apoio e cuidados a terceiros dependentes (filhos menores e ascendentes doentes), para além de confrontados com a duplicação das despesas de alojamento.
Dir-se-á, e é verdade, que o vínculo assentou num acto volitivo e livre do interessado. Mas não menos verdade é que existem pedidos de mobilidade, consignada na lei, por parte de agrupamentos ou escolas não agrupadas, com necessidades prementes e inquestionáveis, que conciliariam os interesses das instituições e dos técnicos, com os inerentes ganhos de ambas as partes, que estão a ser indeferidos pela Direção-Geral da Administração Escolar, sem critério outro que não seja a gestão irracional dos recursos humanos em apreço.

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