Os professores foram os obreiros de um tão justo quão ímpar protesto social nos últimos seis meses, tanto mais significativo quanto conta com uma maioritária concordância dos portugueses, expressa em sondagens. Em resposta, o Governo quer impor a sua vontade, sem acordo, via um primeiro decreto-lei. E trabalha agora no desenho de um segundo, dito de recuperação de tempo de serviço. Tudo com imoral indiferença pelos professores.A força da união entre professores, independentemente de filiações partidárias ou sindicais, foi, até agora, irrelevante para a obtenção de resultados. Os “negociadores” sindicais foram, até agora, simples actores de liturgias destinadas a terminar com a imposição da vontade do Governo. Mário Nogueira foi, neste sentido, tristemente lapidar, à saída da reunião do passado dia 5, quando felicitou o Ministério da Educação por lhe conceder mais oportunidades de prolongar a farsa.
Há muito que os sindicatos deviam ter adoptado iniciativas diferentes das que têm usado e se têm revelado ineficazes. Há muito que os sindicatos deviam ter abandonado reuniões de negociação onde são vexados e simplesmente tratados como idiotas úteis, obedientes e previsíveis. E se acima citei Mário Nogueira foi apenas por ter sido ele quem explicitou o que critico. Mas fica claro que a minha crítica engloba o S.TO.P., que afinal apenas se contentou com um lugar à mesa.
O estado da Educação transparece em pleno da (falta de) qualidade das negociações em curso. Com outros protagonistas, a crise da escola pública poderia ser o ponto de partida para uma discussão séria sobre o futuro da Educação. No entanto, tudo não passa do cumprimento de uma exigência legal, repito, que deve preceder o momento em que o Governo impõe a sua vontade. Deste modo, não é possível resolver problemas, mas tão-só agravá-los e empurrá-los para a frente. Deste modo, há uma realidade que tem de ser encarada: os sindicatos estão apenas a mascarar o falhanço.
O decreto-lei que modifica todo o processo de recrutamento e vinculação de professores já está em Belém, para promulgação. O diploma em análise, que só piora o mau que já estava em vigor, tem dois objectivos, a saber:
1. Evitar, manhosamente, após a intimação da Comissão Europeia, de Julho passado, que o Tribunal Europeu de Justiça se pronuncie sobre as políticas discriminatórias do Estado português em matéria de contratação de professores.
2. Atamancar, de qualquer jeito e sem respeito pelo direito dos professores a terem uma vida familiar minimamente estável, a caótica falta de docentes para assegurar o ensino obrigatório, fruto da incompetência dos governantes para lidarem com um problema há anos previsto.
A chamada “vinculação dinâmica” é uma oferenda de Pirro, perpetrada por um Maquiavel de pacotilha, que propõe uma separação coerciva, permanente e cruel de milhares de professores das respectivas famílias.
A este diploma vai brevemente juntar-se um outro, que consignará a correcção das chamadas “assimetrias na progressão da carreira”. Só que, de cada vez que o Ministério da Educação se propõe corrigir asneiras anteriores, novos disparates promove. O anunciado “acelerador” para resolver assimetrias provocadas pelo congelamento da carreira docente é antes um exclusor de muitos professores e um gerador de novas injustiças. A defesa que o ministro faz da sua proposta não expõe apenas a incompetência técnica. Revela a sua lamentável desonestidade intelectual.
Os olhares viram-se agora para Belém. O Presidente da República promulga ou veta os diplomas? Ele próprio declarou que recebeu contributos de muitos professores e que aguarda que o Governo responda a dúvidas e perguntas que formulou. Duvido que os vete. Mas, se os promulgar, assina uma carta de alforria para destruir milhares de famílias. A propósito, recorde-se que, em Dezembro passado, em Ourém, Marcelo disse que os professores se queixavam com razão. E reiterou essa razão quando, na entrevista de Março à RTP, foi bem explícito a defender que o Governo devia acordar com os sindicatos um modo de recuperar o tempo de serviço, se não integralmente, pelo menos de forma parcial.
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