Não há sucesso escolar sem estabilidade dos docentes
Jorge Sarmento Morais - Inspetor do ME
Ser contratado não tem que significar mudar de escola todos os anos. Em educação falamos de relação educativa e esta, junto de crianças e jovens, só se constrói com permanência, disponibilidade e sinceridade.
Portugal tem como objetivo alcançar em 2020 uma taxa de abandono escolar precoce de 10%. As taxas de insucesso escolar estão altas face aos países com que habitualmente nos comparamos.
O esforço que a este nível é pedido ao nosso sistema educativo exige medidas excecionais e específicas, dado que o efeito proveniente de medidas de carater universal, como o alargamento da escolaridade obrigatória e a diversificação das vias e ofertas formativas, se aproxima já do seu máximo potencial.
O reforço da autonomia e flexibilidade curricular em curso, que aponta para soluções locais, originais e inovadoras, exige que as escolas tenham, além de professores sábios e comprometidos, estabilidade das equipas educativas de modo que os projetos não tenham que se reiniciar todos os anos, porque 30, 40 ou 50% dos professores muda de escola com o concurso de professores. Esta mudança é também prejudicial para os que ficam, que todos os anos têm que construir novas equipas, o que os obriga a repetir procedimentos com vista a conhecer e a enquadrar os que chegam de modo a potenciar novas formas de trabalhar. Tudo isto está mais presente e é, por isso, mais preocupante nas escolas onde aquelas taxas são mais elevadas e onde o investimento das escolas para colmatar as vulnerabilidades do contexto tem que ser mais dedicado.
O normal de qualquer organização é funcionar com estabilidade ao nível dos seus profissionais, mesmo com aqueles 5 ou 10% que têm vínculos mais curtos. Ser contratado não tem que significar mudar de escola todos os anos. Em educação falamos de relação educativa e esta, junto de crianças e jovens, só se constrói com permanência, disponibilidade e sinceridade.
Embora todos os intervenientes defendam a estabilidade, o termo não significa o mesmo para todos. Para uns, estabilidade significa garantir a entrada nos quadros e a possibilidade de todos os anos concorrer para uma qualquer escola. Para outros, estabilidade implica permanecer na mesma escola durante quatro ou mais anos.
É importante seguir por uma terceira via, que concilie estas duas: a colocação numa escola é estável porque, por um lado, vigora por dez, 15 ou mais anos e, por outro lado, porque três ou quatro anos de colocação nessa escola permite concluir que a escola precisa desse professor nos seus quadros.
Parece fácil e a todos soa como normal. Porém, sendo assim, como é que temos professores que todos os anos mudam de escola, que todos os dias ou semanas fazem centenas de quilómetros para ir trabalhar e que têm dez, 15 ou mais anos de serviço e estão nos primeiros escalões da carreira?
Um docente que terminou a sua formação universitária e vai iniciar a sua profissão não tem, em regra, família constituída, tendo como referência habitacional a residência da família. Está, neste contexto de início de vida profissional, mais disponível para trabalhar numa outra zona do país, sabendo que aí irá fazer a sua vida e exercer a sua profissão. A sua referência profissional passará a ser aquela, onde se encontrará com outros professores, onde organizará a sua vida familiar e profissional. Só com esta garantia podemos pedir a um professor identificação com o projeto pedagógico da escola, investimento na sua capacitação para melhor o desenvolver e o compromisso estável com aqueles alunos e com a equipa com quem trabalha.
Contrariamente a isto, a instabilidade da colocação que temos anualmente faz com que a referência dos professores seja sempre a sua casa da família. Por isso, não é raro termos professores que trabalham no Porto e que residem em Trás-os-Montes e casais de professores com três habitações, uma para cada um deles durante a semana e outra na terra da família, única referência de estabilidade que tinham e onde um dia esperam profissionalmente voltar, mesmo que todos os estudos indiquem que isso dificilmente acontecerá. Porém, isso só acontece porque a vida dessas famílias precisa de uma referência estável que a colocação anual não concede.
Uma outra questão ao nível da colocação dos professores diz respeito à possibilidade e necessidade de cada escola poder selecionar os seus professores. Apesar da convicção de que isso é necessário e mesmo indispensável em contextos cuja dificuldade do trabalho pedagógico exige especificidades formativas e competências específicas, ao se garantir a estabilidade a que antes nos referimos estamos a dar um passo para colmatar essa necessidade.
Excecionado as questões de personalidade e as competências individuais, os perfis formativos da formação inicial dos docentes estão muito próximos, designadamente no que ao nível dos conhecimentos científicos e práticas pedagógicas diz respeito.
Neste enquadramento, não parecerá despropositado que a primeira colocação de um professor possa ter por referência as classificações da sua formação inicial. O que já não é aceitável é que numa segunda colocação não seja valorizado o trabalho desenvolvido e as competências adquiridas. Isto é o grau zero da dignificação do desenvolvimento profissional dos docentes. Naturalmente que não faz sentido que a escola não tenha uma palavra a dizer sobre o professor a recrutar, que não o possa conhecer e dar-lhe a conhecer o seu projeto educativo. A este título há também um conjunto de modelos já experimentados, não só noutras organizações, mas também em casos pontuais de escolas que podem ser introduzidos e densificados.
Uma vez colocados os professores, cada escola enquadra os seus docentes nas suas equipas educativas e, ao longo do tempo, deve desenvolver medidas de política que lhe permitam fortificar essas equipas reforçando a sua formação e perfis de competências, construindo equipas educativas estáveis porque os professores aí permanecem. Neste sentido, cada escola implementa e transforma-se numa verdadeira comunidade educativa que forma os seus professores, de acordo com as necessidades do seu projeto educativo. As boas equipas que hoje temos em algumas escolas foram assim constituídas, confiando no trabalho das escolas, no sentido profissional e no compromisso de cada professor. Deste modo, além de se colocarem competências nas escolas, importa, pela via da estabilidade, começar por permitir que cada escola faça a gestão e o enriquecimento dessas e de novas competências, não destruindo o seu trabalho.
Chegaremos assim ao princípio da impossibilidade de mudança de escola por parte de um professor? Não.
Naturalmente que é necessário conciliar os interesses das escolas e dos seus profissionais. Aquilo que temos que fazer não é impedir a mudança de escola, até porque, em muitas situações, ela pode fomentar ganhos para o enriquecimento dos projetos pedagógicos. O que importa fazer é combater todas as medidas que promovam a instabilidade e dar condições para que as escolas melhorem o seu trabalho pedagógico.
E, para voltar ao essencial, não esqueçamos que os desafios de melhoria do sucesso escolar e de redução do abandono escolar, designadamente em determinados contextos, não se alcançam sem uma política de gestão de recursos humanos, onde o processo de recrutamento e seleção de professores é essencial, porque diminuir metas de 10 para 5% é mais exigente do que de 40 para 20%.
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