António Costa, o cartaz e os rankings
1. Desde 10 de Junho que o tema de todos os dias é o alegado racismo do cartaz que irritou António Costa. O cartaz e a reacção de António Costa convergiram num ponto: a vulgaridade discursiva do contraditório político. A inapropriada invocação de racismo não é nova em António Costa. Já a tínhamos visto, por exemplo, no Parlamento, numa inusitada resposta a Assunção Cristas. Tão-pouco foi nova a “elegância” retórica usada para responder aos manifestantes. Tivemos dela uma nota eloquente quando António Costa se referiu aos militantes da Iniciativa Liberal, dizendo que “quando tentam guinchar, os queques ficam ridículos". O resto foi uma manobra mediática, previamente pensada para prejudicar a imagem pública dos professores e o generalizado apoio às suas reivindicações.
Podemos continuar a discutir a acidez do cartaz, ou se é ou não portador de mensagem racista. Mas se o fizermos, sobretudo fixando-nos apenas na sua literalidade, tropeçamos na rasteira que António Costa nos passou. Entendamo-nos: tanto o cartaz de António Costa, como outro, análogo, de João Costa, foram usados em várias manifestações, há vários meses. Porquê, então, esta reacção, só agora? Porque António Costa optou por uma estratégia de vitimização para desviar a discussão política daquilo que é essencial e realmente interessa. E o que a todos interessa, particularmente ao futuro dos alunos e do país, mas a António Costa incomoda, é discutir a forma de interromper uma política educativa distópica, pela qual ele é o principal responsável.
António Costa não gostou do que lhe mostraram na manifestação de professores descontentes, em Peso da Régua. E irritou-se, visivelmente, quando dialogou com eles. Mas os professores também não gostam do que António Costa lhes vem fazendo, e às suas famílias, há anos, e estão, igualmente, visivelmente irritados.
Na conversa envenenada sobre o descongelamento das carreiras, por exemplo, é simplesmente patusca a ideia dominante de António Costa: os professores devem ficar-lhe eternamente agradecidos por ter descongelado as carreiras em 2018. Como se a coisa fosse uma magnânima liberalidade e não um retomar de uma obrigação legal, que nunca deveria ter sido interrompida. Como se não tivessem sido dois governos do PS, um deles a que o próprio António Costa pertenceu, que, por duas vezes, decretaram tal atropelo à lei. Como se fosse natural congelar uma carreira, suspendendo parcial e unilateralmente, a favor do Estado, um contrato assinado com os professores, titulado por decreto-lei não derrogado.
Não há muito tempo, António Costa considerou absurdo que um professor seja colocado a centenas de quilómetros de casa. Mas não só os quase oito anos que já leva de Governo foram insuficientes para resolver o problema, como a sua última iniciativa legislativa o ampliou enormemente.
Os professores estão cansados dos atropelos à sua dignidade, das mentiras e da desonestidade intelectual do ministro da Educação, que António Costa apoia com a mesma obstinada arrogância com que apoiou Cabrita e agora Galamba.
2. Os rankings voltaram às primeiras páginas dos jornais. Apesar de não me aquecerem a alma, não são o diabo que o ministro da Educação pinta, sobretudo se tivermos em conta a evolução da forma como a informação tem vindo a ser tratada e as correlações estabelecidas entre as diferentes variáveis disponíveis.
Sem perder de vista que as escolas públicas acolhem todos os alunos, com todas as carências e debilidades sociais e económicas, enquanto as privadas escolhem os seus alunos, mesmo para além da selecção que a propina de entrada e as mensalidades se encarregam de ditar, não é só essa circunstância que explica que os lugares cimeiros, em todos os rankings, pertençam a escolas privadas e que quase tenha duplicado o número das públicas com média negativa nos exames (30% a Português e 70% a Matemática). O que explica a indesmentível mediocridade dos resultados das escolas públicas é a degradação que as caracteriza, com milhares de aulas perdidas por falta de professores, com um currículo nacional retalhado e reduzido a indigentes “aprendizagens essenciais” e com uma indisciplina sem controlo, que se apossou da sala de aula. Tudo questões bem mais importantes que os exercícios hermenêuticos sobre cartazes satíricos.