Luís Braga - ComRegras
Imaginem que um cidadão quer saber as discussões em curso no “Board of education” da pequena cidade americana de Massapequa (escolhi esta, porque achei graça ao nome, e não me parece que haja muitos interessados, mas havia milhares de outros casos que davam exemplos em múltiplos locais dos EUA, Reino Unido, Brasil ou até Nova Zelândia).
Fica no Estado de Nova Iorque e no seu site, no conforto do lar, pode um famalicense, barcelense, vianense, lisboeta ou qualquer pessoa, ver o que lá se vai passar nas reuniões plenárias, até ao final do ano de 2016, num sistema de transparência que, em Portugal, daria muitos engulhos aos membros do órgão (que, para mais, tem reuniões públicas).
Em Famalicão (e na generalidade dos municípios do país), o site do município tem espaço para a educação, onde até tem muita informação, mas apesar da minha busca exaustiva, hoje ainda, não divulgava o documento, que anexo, que já anda a ser discutido (daí ter conseguido lê-lo, não sendo famalicense).
No espaço do Conselho Municipal de Educação tem apenas o regimento e nem actas, nem convocatórias nem formas de contacto….
Esta é a democracia prática que temos.
Veja-se, então o documento anexo, que me chegou ao conhecimento, tendo-me sido apresentado como a proposta de carta educativa do Município de Vila Nova de Famalicão (em discussão por estes dias).
Mostrá-la, mesmo não sendo proposta final, parece-me ser obra de utilidade pública. Se forem ao site do município, estando a questão em discussão, o que lá consta é o documento ainda vigente e não consta que este, em discussão, esteja lá divulgado. E procurei com atenção.
Se lerem o documento, vão encontrar ainda algumas pérolas interessantes (e não me debruço sobre os detalhes da rede).
A discussão da rede escolar deve ser uma discussão alargada e divulgada e, por isso, acho que os interessados devem ler o documento e, se quiserem fazer chegar aqui a sua opinião, terei gosto em ajudar ao debate, divulgando ideias (porque Democracia é debate, seja das políticas centrais, seja das municipais e o nível municipal, não é mais democrático por o ser, mas só se a proximidade às pessoas realmente facilitar o debate).
Não discuto o concreto do caso (sou vianense….e a minha ligação a Famalicão acaba por ser forte simpatia pessoal por 2 figuras da terra, Bernardino Machado e Camilo Castelo Branco, espíritos livres e cujas leituras me ensinaram muito sobre liberdade).
Mas acho que vos posso chamar a atenção para algumas passagens do documento, que mostram como os receios sobre a municipalização justificam séria reflexão, antes de avançar.
O que há-de dar numa Carta Educativa….
O documento serve para prever “critérios municipais a seguir para a definição dos estabelecimentos de educação e ensino a encerrar e respetivas escolas de acolhimento.(…)”
Sem mais comentários, apelo a que leiam alguns dos critérios. Por exemplo, “Encerrar os estabelecimentos de educação e ensino de reduzida dimensão, integrando a população escolar em escolas de maior dimensão e que ofereçam condições físicas e pedagógicas superiores. No caso do 1º CEB este critério aplica-se aos estabelecimentos com menos de 4 salas de aula, ainda que qualquer encerramento esteja dependente da criação de um projeto educativo próprio e do sucesso escolar dos alunos;”
Ou ainda outro exemplo: “Permitir a constituição de turmas homogéneas, assegurando uma sala e um docente por ano de escolaridade;”
Aqui, sem maldade diria, que o que o Município deve querer dizer é turmas com um único ano e que a homogeneidade não é aquela (relacionada com níveis de sucesso), que quem lê, e perceba alguma coisa da terminologia, pensa imediatamente. Mas o que está escrito, escrito está.
Muito curioso é o critério “Gerar dimensão crítica que assegure a formação de cidadãos conscientes, interventivos, criativos e inovadores e a criação de uma comunidade mais aberta e informada, através de todos os meios ao seu alcance e com a colaboração dos pais e/ou encarregados de educação e da comunidade. “
E esse critério é bem curioso, se lida a tirada que vem a seguir: “Estabelecer consensos com as populações, explicando-lhes os motivos das decisões tomadas e os resultados expectáveis, de modo a facilitar o seu processo de aceitação;”
E para não me alongar, escrevo a forma como, alternativamente acho que devia ser escrito, por uma autarquia que ache que municipalizar a educação, não é só uma forma de ter mais competências e poderes, mas de aumentar a democracia concelhia:“Decidir com larga informação e participação das populações, incluindo-as com voz determinante no processo de decisão.”
Ingenuidade? Não. Democracia.
Isto seria a diferença entre um poder majestático, que se limita a explicar as decisões que toma, e que quem as sofre tem de aceitar, e um processo realmente democrático que aceita o poder de ingerência dos cidadãos nas decisões que lhes dizem respeito e não tenta apenas (e mal) explicar, o que já decidiu, para tentar o consenso (potencialmente pouco verdadeiro) na busca da simples aceitação.
Isto é, a diferença entre democracia mais verdadeira e a sua aparente encenação.
(9.1. Princípios Orientadores - Projeto Educativo Local - Volume II)
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