segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

É a opinião de Mário Nogueira e a nossa: Falta democracia às escolas

Mário Nogueira - educare.pt

O conselho das escolas, órgão consultivo do Ministério da Educação (ME) composto por diretores de escolas e agrupamentos, reagiu com desagrado à perda de protagonismo na seleção de professores a contratar, via Bolsa de Contratação de Escola (BCE). Não era um grande poder porque o peso médio da contratação é mínimo e, ainda por cima, as BCE tinham custos elevados. Comprovadamente, estas atrasavam em três semanas a chegada de professores às escolas e até levava à saída de muitos já colocados. Só que, para alguns, perder essa competência é sinónimo de perda de poder o que, na ótica desses, poderá ter leituras indesejáveis na comunidade escolar.

Esta posição de alguns diretores compreende-se mal e entristece quantos se reveem nos princípios da escola democrática, não só por advir de quem sempre obteve colocação por concurso nacional, organizado em listas de graduação profissional, sem que daí resultasse qualquer problema, mas também de quem cresceu na profissão e aprendeu a dirigir a escola num quadro de gestão democrática. É impossível negar que nunca, como no tempo da gestão democrática, a vida das escolas foi tão rica, estimulante e mobilizadora de toda a comunidade educativa, contrastando muito com o afastamento e desânimo a que hoje se assiste.

A extinção da gestão democrática das escolas, em 2008, foi o corolário da progressiva desvalorização dos seus órgãos pedagógicos. O conselho pedagógico deixou de deliberar, passou a ser constituído por nomeação do diretor e presidido por este, o que significou a perda total de autonomia e a submissão da vertente pedagógica a outros interesses. Os aspetos administrativos passaram a prevalecer, as decisões a ser cada vez mais condicionadas ao espartilho economicista e interesses políticos locais passaram a ingerir na vida escolar. Foram criadas aberrantes estruturas intermédias de gestão, multiplicando-se inúteis reuniões destinadas a transmitir ordens que uma qualquer circular resolveria e, ao mesmo tempo, impuseram-se estruturas orgânicas de tamanho “mega” pouco governáveis. A gestão democrática das escolas foi extinta e a não criação de uma carreira de gestor escolar resulta apenas do facto de a Direita ter perdido a maioria absoluta em 4 de outubro. Tal alteração estava prevista no programa de governo PSD/CDS que, em boa hora, foi chumbado na Assembleia da República. Não só por isso, mas porque apontava para o prosseguimento de uma política que nos últimos quatro anos, em alguns aspetos, fez a educação retroceder quarenta.

A gestão democrática das escolas integra o caderno reivindicativo dos professores. Como tem sido afirmado, o atual modelo “gerencialista”, que concentra poderes num órgão de gestão unipessoal, impede que se desenvolvam práticas colegiais e processos eleitorais, absolutamente naturais em democracia. Além disso, reduz a quase nada a participação dos professores nas decisões pedagógicas. Simultaneamente, e esses são relatos frequentes, dispararam as situações de abuso de poder, o que levou a um crescente sentimento de insegurança e medo. Só as características pessoais de alguns diretores conseguem, excecionalmente, disfarçar a natureza do regime que vigora, mas ele é a causa de boa parte dos problemas que se vivem nas escolas.

É inquietante sentir o medo instalado na sala de professores e preocupante que haja quem alinhe na ideia de incompatibilidade entre liderança forte e respeito por princípios democráticos, como elegibilidade e colegialidade. É no contexto democrático que se afirmam as lideranças fortes; fora dele, alimentam-se ambições que, muitas vezes, resultam mal.

Associada à gestão está a autonomia que um modelo como o atual aniquila. Quem ouve o poder falar de autonomia convence-se que esta passa pela capacidade de contratar professores, pela livre seleção até dos alunos ou pela atribuição às escolas de personalidade jurídica, nomeadamente para poderem recorrer a créditos bancários, numa lógica de autofinanciamento. Não é por aí que a autonomia se exerce, mas pelo reconhecimento de competência para tomar determinadas decisões curriculares, definir o seu modelo organizacional (incluindo composição e competências das estruturas intermédias), desenvolver os projetos educativos que aprova, elaborar as suas normas de funcionamento interno, definir e gerir os créditos horários considerados adequados ou decidir sobre a gestão de espaços e tempos e a dimensão das turmas.

À escola pública exige-se que seja democrática e é nessa cultura que se desenvolve a inclusão. Como pode uma escola que não é democrática na sua organização e no funcionamento educar para a democracia? Como poderão os jovens ser educados para os valores da democracia, da cidadania, do diálogo ou da participação, sem uma vivência democrática na escola?

É dos livros e foi escrito por alguns clássicos que a escola tem um importante papel de reprodução social. Como tal, não surpreende que num quadro de afirmação de políticas de Direita, a existência de um chefe, autoritário e controlador, seja obrigatória. Ele é instrumento fundamental do poder para garantir respeito pela matriz reprodutora que àquele interessa. Uma matriz que tem como essencial a seleção precoce, para o que contribuem os exames logo na primeira metade da escolaridade obrigatória. Também nesta matéria, aquele “instrumento” reagiu como se esperava. Notou-se mais porque, havendo hoje interessantes sinais de mudança, há peças que começam a não encaixar.
(Negrito nosso)

1 comentário:

  1. Sem querer esgotar a minha opinião neste meu comentário, gostaria apenas de dizer o seguinte:
    1º Não creio que um modelo de gestão e administração seja ou não democrático, por apenas ter ou não ter eleições diretas para o órgão executivo. Pois se assim fosse o Governo do nosso país nunca foi democrático;
    2º As eleições no seio das escolas foram direcionadas para as Assembeleias de Escolas/Agrupamento, agora Conselhos Gerais. E se a democracia não reina nas Escolas/Agrupamentos foi porque se tem esvaziado a autonomia das Escolas e não só por apenas se ter transformado um órgão 'executivo' em uninominal.
    3º Sem dúvida que à custa de um modelo centralizador em Lisboa tudo se tem feito para retirar às Escolas alguma capacidade de autonomia e inovação. Mas, isso não deve ser confundido com as vontades dos Diretores eleitos num quadro que é muito discutível, mas de suporte legal e legítimo como outro qualquer.
    4º Por fim não se atire para cima dos Diretores as ‘maleitas’ dum sistema de ensino que necessita de uma reflexão global e que tem sido tratado ao retalho, pela maioria dos responsáveis políticos, em geral.

    A jeito de conclusão diria que percebendo em parte o texto acima, não quero deixar de afirmar que não me revejo em discursos onde se procurem encaixar os males do ensino em fatores que dele fazem parte mas que poderão ser determinantes, mas não os mais determinantes.
    Rui Siva (Diretor)

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