Publicado em novembro de 2013, mas muito atual para uma nova leitura mesmo mesmo que em contraciclo político.
Manual prático de criação de rendas na Educação
Primeiro passo - Abra um colégio privado. Se possível, em zonas onde há escolas públicas. Assim, tem a certeza que tem alunos. Dê um saltinho à zona de Coimbra que lá sabem bem como se faz. Forneça todos os serviços que a escola pública não consegue fornecer e que lhe permitem dizer que o seu colégio se diferencia pela qualidade. Comece pelo transporte privado e acabe nas aulas de karaté. Para assegurar que corre tudo bem, diversifique o risco. Não, não, não. Não ligue a quem lhe diz que não pode ter uma clínica agregada ao colégio e que também não pode vender cafés.Iniciativa privada é iniciativa privada. Portanto, pode tudo. Só não pode não ser empreendedor educativo.
Segundo passo - Celebre um contrato de associação com o Estado para que este lhe pague pelos alunos que a escola pública não tem lugar. Agora, pergunta "Mas eu abri o colégio privado numa zona com escolas públicas meio vazias?". Você de facto não percebe nada disto, pois não? Ainda bem que comprou este Manual que foi especialmente escrito para si. A ideia é que o colégio privado substitua a escola pública. Você quer ou não quer ter rendas? Se lhe perguntarem porque é que tem um colégio numa zona com escolas públicas meio vazias, responda com serenidade e olhar compungido: "Os meninos têm direito a ser muito bem tratados como são aqui no nosso colégio". Se não conseguir dormir à noite com esta ilegalidade, contrate um alto funcionário do Ministério da Educação como consultor para dormir mais descansado.
Terceiro passo - Selecione cuidadosamente quem admite no colégio. Outra pergunta: "Mas não é suposto eu admitir toda a gente?" Você é quase um caso perdido. Acha que lhe interessa admitir alunos com dificuldades ou com um enquadramento social problemático ou com garantias que não vão ter boas notas? Pois é, não interessa nada. Admita um ou outro com ação social escolar, quando muito. E não se esqueça dos exames e dos rankings. Os jornais ordenam as escolas pelos resultados de alguns exames sem ter em conta outros factores como o contexto social e cultural. Portanto, carregue na preparação desses exames e esqueça tudo o resto.
Quarto passo - Aguarde que um Ministro declaradamente contra a escola pública tome posse. Deixe passar uns anos a marinar. Espere que se instale o debate sobre o cheque-ensino.Dê entrevistas e aprenda a dizer liberdade de escolha a uma velocidade de meia sílaba por segundo. Passa bem na televisão. Aguarde serenamente a entrada em vigor do novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, o que até já aconteceu no passado dia 5 de novembro. Com este novo Estatuto, o Estado passa a poder celebrar contratos de associação sem restrições, quer haja escolas públicas na zona, quer não. Já viu como o colégio que abriu em flagrante violação da lei já está legal?Agora que já dorme descansado, também já pode despedir o alto funcionário do Ministério da Educação contratado como consultor.
Quinto passo - Com o seu colégio legalizado pode abrir mais colégios à medida que forem fechando escolas públicas. Terá que admitir alguns alunos com o cheque-ensino mas serão sempre poucos, pois já se sabe que o seu colégio não tem lugares ilimitados. Mantenha os critérios de seleção descritos no terceiro passo. Para celebrar novos contratos de associação e abrir novos colégios, readmita o alto funcionário do Ministério da Educação como consultor. Previna o futuro e tenha a seguinte cábula à mão para debitar com um ar indignado para jornalista anotar: "Fiz avultados investimentos para ter este colégio a funcionar e agora querem acabar com o contrato Vivemos num Estado totalitário sem liberdade de escolha. Se o contrato acabar, o colégio vai ter que fechar e é a educação destas crianças que fica posta em causa". Goze bem as suas rendas por muitos e bons anos. E não se preocupe se o Estado acaba por gastar muito mais para ter piores resultados.
Epílogo: Quando reparar que as verbas para o ensino especial diminuem e as verbas para os seus colégios aumentam, pestaneje. Não é nada consigo.
PS: Este Manual foi parcialmente baseado na reportagem da TVI sobre este assunto transmitida no passado dia 4 de novembro.
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