Entrevista a José Eduardo Lemos
Presidente do Conselho das Escolas
Presidente do Conselho de Escolas diz que professores perceberam que “é hora de lutar” e prevê que a greve continue a ter “forte adesão”
“Não há um único professor no país que não esteja à espera que o Estado cumpra o compromisso”, ou seja, que tenha em conta os nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço dos docentes para efeitos de progressão na carreira com acerto salarial. O aviso é feito pelo presidente do Conselho de Escolas. Em entrevista ao i, José Eduardo Lemos salienta que os governos, e os vários ministros, se têm esquecido dos professores. E “quando deles se lembram, não tem sido para os tratar bem”. Nos corredores das escolas, o que se vê são “professores desmotivados” e “desgastados”, conta José Eduardo Lemos, que frisa que esse cenário se agrava quando se repete “o mito” de que “a classe goza de imensas regalias”. Sobre a decisão do Ministério da Educação de solicitar serviços mínimos para a greve às avaliações, convocada até ao final de julho, o presidente do órgão consultivo da tutela diz ter dúvidas de que isso seja possível.
Como é ser professor hoje em Portugal?
Ser professor é apaixonante, é participar na construção da sociedade através da transmissão do saber e da valorização das competências dos alunos. É um ato de autorrenovação permanente e uma profissão que, penso, continua a ser muito nobre e reconhecida pelos portugueses. Já do ponto de vista político, este reconhecimento não tem tido correspondência. É com pena que se vê sucessivos governos, pelo menos desde 2007, menorizarem a profissão de professor quando lhe impõem condições de trabalho cada vez piores, quando lhe exigem tantas obrigações – professor, educador, monitor, assistente social, psicólogo, enfim, tarefas exigentes e de responsabilidade que são pagas com a estagnação da carreira e com uma persistente prática que põe em causa a sua dignidade profissional. Esta situação agrava-se quando, de algum modo e sub--repticiamente, nada se faz para combater o mito de que a classe goza de imerecidas regalias.
E como é ser diretor de uma escola pública?
Ser hoje diretor de uma escola pública é exercer um cargo de enorme comprometimento social e comunitário e de elevado risco pessoal, dada a sua responsabilidade – disciplinar, cível e financeira – por toda a atividade escolar. É exercer um cargo mal remunerado e escassamente reconhecido, sobretudo pela administração educativa, que está interessada em fazer dos diretores apenas gestores (e de baixo custo) e nunca teve, nem se pode esperar que venha a ter, interesse em criar a carreira de diretor de escola pública, como existe, de resto, em muitos países desenvolvidos. A persistente falta de apoio e o crescente isolamento a que são votados explicam o afastamento de excelentes professores das funções de diretor e dificultarão cada vez mais o recrutamento de professores para dirigirem escolas.
Os professores têm sido esquecidos pelos governos?
Vejo os professores desmotivados e, olhando-me ao espelho e olhando para os professores nas escolas, vejo também uma classe a envelhecer rapidamente. Sim, os governos têm-se esquecido dos professores e, quando deles se lembram, não tem sido para os tratar bem.
São mais prejudicados que outras carreiras na função pública?
Sim.
Em quê?
Em duas vertentes. A mais antiga prende-se com o estatuto remuneratório: há carreiras na administração pública em que os profissionais com habilitações inferiores ou idênticas às dos professores usufruem de um estatuto remuneratório mais vantajoso. Mais recentemente, também constatamos que os professores estão a ser prejudicados em termos de progressão na carreira, uma vez que ainda não foi considerado o tempo do congelamento e, pelo que se sabe, o mesmo não aconteceu em todas as carreiras da administração pública. Obviamente, estas questões causam desgaste e insatisfação nos professores e, de alguma forma, também se refletem nos alunos.
De que forma pode o governo motivar mais os professores?
Respeitando-os e não deixando – por ação ou omissão – que se degrade a sua atividade. O governo, qualquer governo, deve proteger os professores, valorizar e dignificar a profissão docente e honrar os compromissos que com eles estabelece.
O nível de descontentamento dos professores está mais elevado agora do que estava na altura de Maria de Lurdes Rodrigues?
Não posso estabelecer uma comparação definitiva, até porque o atual ministro ainda não terminou o seu mandato. Posso dizer-lhe, todavia, que será difícil desenvolver-se no seio da classe docente um sentimento de repulsa tão elevado como o que existiu no tempo a que se refere.
Qual foi o ministro da Educação que mais apoiou os professores ou o que não os prejudicou tanto?
Foram tantos os ministros da Educação que, se respondesse à sua questão, corria o risco de me esquecer de algum e, por causa disso, não ser isento. Posso acrescentar, contudo, que um bom ministro da Educação não deve limitar-se a apoiar os professores. O exercício do cargo deve ser muito mais vasto e abrangente. Infelizmente, muitos foram os ministros (e as ministras) que, em cada legislatura, se empenharam demasiado em deixar a sua marca, mudando radicalmente as políticas educativas, sem ter em conta os seus efeitos sobre os professores e, sobretudo, sobre os alunos e o futuro.
É possível chegar a uma solução para este conflito que resulta do descongelamento?
A única solução que existe é política, pelo que penso que ainda é possível chegar-se a ela. Haja vontade.
A não contagem do tempo de serviço congelado surpreendeu os professores?
Até novembro de 2017 poderia não ter surpreendido todos; todavia, depois do compromisso político materializado na Lei do OE para 2018, não existe um único professor no país que não esteja à espera que o Estado cumpra o compromisso de devolver o tempo de serviço congelado.
Prevê que a adesão à greve continue forte?
Penso que continuará a ter uma forte expressão e não creio que a adesão esmoreça. Penso até que devemos esperar que aumente, uma vez que os professores se sentem enganados e interiorizaram que é agora que têm de lutar.
O ministério decidiu solicitar serviços mínimos para a greve. Essa decisão veio exaltar os ânimos dos professores?
Não vejo sintomas. Na minha escola não vejo sintoma nenhum dessa ideia, que não se trata ainda de nenhuma medida. Não vejo nenhuma acrimónia por o Ministério da Educação ter apresentado essa ideia. Mas não vejo como se podem marcar serviços mínimos aos serviços de avaliação. Veremos se vai para a frente e em que termos. Também não sabemos em que termos é que o Ministério da Educação quer implementar essa possibilidade.
São já duas semanas com greves a decorrer. Já era tempo de o ministro ter vindo a público sossegar os alunos e dar orientações mais claras às escolas?
Não tenho dúvidas nenhumas que tem havido falta de orientações claras para as escolas – ou melhor, falta de clareza sobre o quadro com que são confrontadas. Porque nunca as escolas vivenciaram uma situação como esta. Portanto, nestas situações e tendo havido aquela nota informativa inicial, que criou alguma confusão, parece-me que devia ter havido já uma clarificação sobre aquilo que são os procedimentos a adotar sempre que não se reúne um conselho de turma ou as condições que devem existir para que se realize um conselho de turma. Isso já devia ter sido assumido pelo Ministério da Educação, de forma clara, junto das escolas.
Qual a sua opinião sobre as orientações enviadas pela DGEstE às escolas?
Trata-se de orientações que, nitidamente, confundiram os destinatários ao invés de os esclarecer. Lamento que, mais uma vez, se tenham lembrado de transferir para os diretores a responsabilidade e o ónus de ações que podem vir a ser consideradas ilegais e, no limite, atentatórias do direito à greve.
As orientações foram bem acolhidas pelos diretores e pelos professores?
Não, não foram, antes tiveram um efeito de bumerangue. Nestas coisas, a pressa de querer solucionar problemas políticos com orientações administrativas nunca dá resultado. E impede, muitas vezes, uma visão ponderada de todas as consequências, como no caso de um diretor dirigente de uma associação de classe inicialmente ter considerado as orientações capazes de solucionarem rapidamente a greve. Foi o que se viu.
Considera que as orientações enviadas pela DGEstE revelam, de alguma forma, desconhecimento das regras ou do funcionamento da classe?
Penso que não. Tendo mais a pensar que se tratou de orientações que tentaram, pressurosamente, resolver pela via administrativa um problema que aflige as escolas e que é exclusivamente político e de respeito pela palavra dada.
Há rumores de diretores que estão a ameaçar professores que aderem à greve com faltas disciplinares. Há outros que estão a ratificar pautas sem que tenha sido realizada a reunião do conselho de turma. Qual a sua opinião?
Não conheço nenhum diretor que faça o que me diz, nem aconselharia nenhum a fazê-lo uma vez que, quer num caso quer no outro, se trata de responsabilidades que não são da sua esfera. Sei também que, nestas alturas de pressão social sobre as escolas e estando nós, diretores, completamente sozinhos e com “a batata quente nas mãos”, é possível que se cometam erros que nunca se cometeriam em situações de normalidade e se a administração educativa avaliasse a situação com uma perceção mais rigorosa e conhecedora da realidade.
Este ministro ainda tem força política para resolver o conflito?
Enquanto presidente do Conselho das Escolas, não me cabe fazer essa apreciação política. Apenas me pronuncio sobre políticas educativas e não sobre as pessoas que as corporizam.
O ministro tem credibilidade junto dos professores?
Repito o que disse na resposta anterior.
Que desfecho prevê para este braço-de-ferro?
Mais do que uma previsão, deixo o desejo de que haja um entendimento político que faça terminar rapidamente a greve.