Santana Castilho - Público
A directora-geral da DGEstE informou as escolas sobre o modo expedito de concluir o ano lectivo, atropelando a lei e sequestrando os professores. Fê-lo a 20 deste mês, a pedido de “elevado número” de directores incapazes de assumir responsabilidades e autonomia, retomando na prática o que já havia dito na famigerada nota informativa de 11 de Junho. Como a situação era complicada, a diligente funcionária puxou pela cabeça e chamou a polícia. Depois, doutrinou como um asno engomado, apenas com um ligeiro senão: é que os conselhos de turma não são órgãos administrativos e, portanto, a sua geringonça argumentativa pariu mesmo abaixo de zero. A nota informativa, versão dois, é papel molhado, cujo destino não é a obediência, mas tão-só o lixo.
Com efeito, o Despacho Normativo n.º 1-F/2016, já da lavra do actual secretário de Estado João Costa, na senda aliás da anterior Portaria n.º 243/2012, dispõe claramente assim (artigo 23.º): “o conselho de turma, para efeitos de avaliação dos alunos, é um órgão de natureza deliberativa, sendo constituído por todos os professores da turma e presidido pelo diretor da turma”; compete ao conselho de turma “apreciar a proposta de classificação apresentada por cada professor, tendo em conta as informações que a suportam e a situação global do aluno”; “as deliberações do conselho de turma devem resultar do consenso dos professores que o integram, tendo em consideração a referida situação global do aluno”; “quando se verificar a impossibilidade de obtenção de consenso, admite-se o recurso ao sistema de votação, em que todos os membros do conselho de turma votam nominalmente, não havendo lugar a abstenção e sendo registado em ata o resultado dessa votação”. (Os sublinhados são meus).
Como pode uma directora-geral atentar tão despudoradamente contra um direito fundamental dos professores, o direito à greve? Como pode servir-se de outro, o direito às férias, para tentar tomá-los como reféns, num hediondo golpe de chantagem? Como pode, rasteiramente, ignorar o que fixa o Artº. 57º da Constituição? Como pode confundir a independência intelectual e profissional de um professor com o servilismo de um qualquer burocrata? Como pode confundir um acto pedagógico, colegial, consequência de ponderação responsável, com um mero acto administrativo, automático? Como pode ignorar as sucessivas disposições legais, que devia proteger por elementar dever de função, para tentar impor um comando ignaro, que as cilindra?
Fora este um ministro decente e dia 26, data limite do ultimato da patusca directora-geral, seria antes a data simbólica da demissão da dita. Por uma questão de higiene constitucional. Com efeito, esta senhora não entendeu que todas as formas reivindicativas, provocando desconforto nalguns, são, acima de tudo, uma forma de chamar a atenção da sociedade para a causa que as motiva. E não entendeu que não há greves só aos fins-de-semana e feriados. Esta senhora tem, de modo reiterado, tentado trucidar a nobreza do acto educativo, com a sua substituição pela vulgaridade do acto administrativo. Na sua lógica redutora, qualquer Lola do Simplex (o robot recentemente criado) a substituía (reconheço que com vantagem). Entendamo-nos: atribuir classificações finais sem validação pela presença de todos os elementos dos conselhos de turma é o abastardamento do acto educativo, é desleal e desonesto para alunos e professores e falseia os resultados finais.
Mas a lama não mancha apenas o Ministério da Educação. Mergulha nela a habitual bonomia de António Costa, que assiste, seráfico, ao acto degradante para o ensino público de trocar reuniões sérias e conformes com a lei, pela palhaçada, escandalosa e ilegal, de três ou quatro professores decidirem por nove ou doze, sem a presença mesmo do director de turma. Em tempo de celebradas reversões, este regresso à época das notas administrativas envergonha a deontologia elementar e a ética mínima. Como é hábito, os desqualificados que comandam devem brevemente dizer, numa qualquer televisão, que estão de consciência tranquila.