Paulo Guinote
No passado dia 26 de Novembro fez algumas ondas na imprensa nacional a declaração de voto do deputado Paulo Trigo Pereira PTP), da bancada do PS, por ter feito um conjunto de declarações de voto que lhe permitiu ser apresentado (e apresentar-se) como “desalinhado”. Na sua declaração de voto sobre a “contagem do tempo de serviço dos professores”, disponível na sua página pessoal (consultada a 1 de dezembro de 2018), pode ler-se o seguinte: “importa sublinhar que os sindicatos reivindicam retroativos relativamente a todos os anos que as carreiras estiveram congeladas.”
Este excerto da declaração é um exemplo claro do que se podem considerar “factos alternativos” no debate público e visa, em meu entender, fomentar a confusão e os equívocos sobre a posição dos professores nestas disputas. A declaração em causa contém diversas outras passagens dúbias ou claramente equívocas (nomeadamente sobre o constitucional “princípio da igualdade”), mas vou concentrar-me nesta por envolver a utilização de um termo que, mesmo tendo duas acepções possíveis, é usado de forma abusiva, ajudando a transmitir uma noção errada do que é a verdade.
Comecemos pela acepção mais corrente e “popular” do termo “retroactivos”. Consultando a Infopédia, como nome comum, um “retroactivo” corresponde a “montante que corresponde a pagamentos devidos e que estão em atraso”, sendo mais usado na forma plural (como o faz PTP). Ora, isto é completamente falso. Em nenhum momento, mesmo de mais intenso conflito, professores ou sindicatos exigiram ou sequer sugeriram receber qualquer montante pelos anos em que a sua carreira esteve “congelada”. É verdade que vários políticos na área do PS usaram esse termo no passado mais ou menos recente, com esse sentido implícito, mas sem qualquer correspondência com as reivindicações dos docentes. Sendo claro e conciso, é mentira que sejam exigidos “retroactivos” relativos aos anos de congelamento da carreira.
Numa segunda acepção, como adjectivo, o termo “retroactivo” refere-se, de acordo com a mesma fonte, a algo “que tem efeito sobre factos passados; que modifica o que já foi feito”. Só que, também neste sentido, a declaração de PTP é falsa e induz em erro de um modo pouco compreensível em alguém que gosta de se apresentar como rigoroso nas suas análises. O facto de, a partir do presente, o tempo de serviço docente ser contado tal como foi desempenhado, é quase o antónimo do sentido referido de “retroactivo” como algo que altera o passado. Em nenhum momento se pretende alterar esse passado, os anos de “congelamento” não podem ser alterados, aconteceram, produziram os seus efeitos entre 29 de Agosto de 2005 e 31 de Dezembro de 2007 e entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2017. Os professores não progrediram no tempo certo, anos a fio, apesar de se afirmar que eram medidas “transitórias”. As perdas materiais aconteceram, assim como as simbólicas. Durante anos, um estatuto de carreira em vigor foi suspenso pelo mesmo governo que o aprovou. Pior, foi aprovado durante a primeira fase desse “congelamento” e só produziu efeitos durante três anos desde então, duração inferior à de nove dos seus dez escalões.
O que PTP afirma é uma falsidade, seja qual for a acepção que adoptemos, como nome ou adjectivo, sendo ridículos os contorcionismos linguísticos usados para dar a entender que se pretende mudar o passado, como o actual PM tem tentado fazer acreditar. O passado aconteceu. As perdas aconteceram. Não se pede nada do que foi perdido ou uma indemnização pelos danos causados.
Isso é possível no caso da Justiça, em que – num novo julgamento – se podem apurar factos novos sobre decisões tomadas e podem ser penalizados actos indevidamente praticados e as vítimas serem indemnizadas por erros cometidos pelo próprio Estado.
No caso das reivindicações docentes quer-se o contrário de “agir sobre o passado”. Apenas se quer que seja contado o trabalho que foi feito e, a partir de agora, que seja considerado para efeitos de “reposicionamento” na carreira, como acontece em outras situações. Não se trata de reescrever o passado, apenas de o respeitar. Sem truques, linguísticos (como os professores quererem “proventos monetários correlativos”) ou pseudo-constitucionais, em exercícios de puro gibberish. Pós-verdades. Repetidas à náusea.
Por fim... se querem mesmo rigor... o tempo não “congela”; não estamos a falar de temperaturas. O tempo pode ser relativo, mas não muda de estado, mesmo se querem fazê-lo evaporar da carreira docente. A modernidade pode ser “líquida”, mas não tanto.
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