Preparar as crianças portuguesas para 2020
DIOGO SIMÕES PEREIRA
Estarão as escolas portuguesas do 1.º ciclo preparadas para o novo mundo? O novo mundo a que me refiro poderia ser projetado para 2020. Por esse tempo, teremos atingido um estágio de globalização que tenderá a acentuar uma cultura cada vez mais uniforme e de pensamento único, na Europa e no mundo, que se fará sentir nas crianças desde o berço.
Por outro lado, os sistemas de educação terão de estar num patamar de qualificação dos jovens sem precedente – a agenda europeia 2020 aponta para uma taxa de saída escolar precoce inferior a 10%, quando em Portugal ainda temos mais de 20%. Neste contexto, o papel das escolas do 1.º ciclo passa a ser determinante, ainda mais do que é agora.
A globalização
Em todo o mundo desenvolvido, os alunos que estão agora no 1.º ano de escolaridade, com 5 a 7 anos, são a primeira geração verdadeiramente global. Para elas, a televisão por cabo com canais e conteúdos globais ilimitados, os tablets com redes sociais, música, aplicações e jogos infinitos, em inglês, e os smartphones que fazem tudo e ainda permitem falar são dados adquiridos desde que se lembram de existir. Eu tenho um filho com 6 anos assim, em Lisboa, Portugal. Ao final do dia, ele vê no Disney Channel o Jake e os Piratase o Manny Mãozinhas, com o iPad ao colo, a jogar o Flappy Birds. Quantos milhões de crianças de 6 anos, em Portugal e no mundo, têm também esta experiência diária? Posso confirmar, como exemplo local, que, nos concelhos da Figueira da Foz e da Pampilhosa, isto já é uma realidade com muitas crianças.
Esta globalização, informação disponível e democratização tecnológica são fatores de inclusão e de redução de assimetrias indiscutíveis. Mas levantam enormes desafios para os pais e educadores:
– Reduz-se o tempo disponível para a interação “homem-homem” e para as atividades físicas – brincar, jogar, conversar, ler em conjunto, correr, praticar desportos… –, que sabemos desenvolver, apenas nestas idades, competências cognitivas e sociais determinantes no futuro.
– Diminui-se a diversidade de experiências, pois as killer applications tendem a monopolizar a atenção e o tempo dedicados. Por exemplo, resta muito pouco espaço para jogar cartas, damas, xadrez, ou Sabichão ou Monopólio ou, simplesmente, ouvir uma estória contada ou lida.
– Limita-se o espaço para a “cultura local”, que é esmagada pela cultura dominante, de Hollywood, da Disney, da Apple, … Por exemplo, oferecer um livro ou boneco do D. Afonso Henriques é um enorme risco para pais e padrinhos, pois o Capitão Gancho vai sempre levar a melhor.
A qualificação
Na sociedade de 2020, a qualificação com 12 ou mais anos de escolaridade deixará de ser um fator distintivo, para ser o standard. A mobilidade das pessoas – voluntária ou obrigada, via emigração – exigirá sistemas educativos cada vez mais exigentes, em que o sucesso escolar passará a ser um direito de cada cidadão. Neste novo paradigma, não haverá espaço para manter em Portugal taxas de insucesso escolar anual entre 10% e 15% no 2.º/3.º ciclo ou taxas de saída escolar precoce de 20%.
Assim, o papel dos pais, das escolas e das comunidades será cada vez mais exigente. O novo desafio é o da potenciação das capacidades de cada criança desde o berço, numa ótica que tem de ser de prevenção e de intervenção precoce e não mais de intervenção tardia ou de remediação.
A potenciação das capacidades passa pelas questões da língua materna – e cada vez mais cedo da 1.ª e 2.ª língua estrangeira –, do raciocínio lógico-matemático, pela consciência de espaço e de tempo, pela descoberta do mundo físico e da biologia, pelas expressões, pela literacia digital, pelo desenvolvimento da cidadania, e depois pelas competências não-cognitivas e motoras. Isto implica a monitorização desde cedo do desempenho das crianças – com sistemas de assessment e de alertas –, a existência de novas intervenções universais de capacitação e a introdução de formas de compensação adaptadas a cada indivíduo, que eliminem os atrasos e acelerem os avanços logo que despistados.
Apesar dos progressos feitos, os desafios acima descritos exigem que as escolas do 1.º ciclo assumam uma ainda maior relevância estratégica no sistema educativo português. O discurso oficial já incorporou, mas no terreno é necessário um quantum leap, que urge a cada dia que passa. Este salto deve ser protagonizado pelos professores do 1.º ciclo, que devem procurar soluções criativas para fazer acontecer as mudanças necessárias, tendo o apoio dos seus diretores e do próprio Ministério da Educação e Ciência.
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