quinta-feira, 20 de maio de 2021

A Carreira Docente, presa ao modelo burocrático, constrói-se de artificialismos espartilhantes (Para ler ou ouvir em podcast)

Carreira
João Manuel Esteves Dias de Andrade


A grande maioria do que é público no nosso país subordina-se ao denominado modelo burocrático, com o predomínio de normas que se pretendem impessoais e racionalmente definidas. Dentro deste modelo, o emprego é fixo, com remuneração habitualmente regulada a partir do tempo de serviço e da natureza das funções desempenhadas e a carreira fortemente regulada.

Do previamente exposto, de cariz claramente impessoal, surge como muito complexo e difícil construir carreiras aliciantes e motivadoras para seres humanos concretos.

Esse é o caso, claramente, da carreira docente. Numa mais do que quase contradição, temos seres humanos que preparam alunos para, a partir de valores e conhecimento, alcançarem um conjunto significativo de competências que deverão, obviamente, ser de impacto significativo e consequente nas suas vidas, quando a aqueles que os preparam, esse impacto significativo é estruturalmente negado para a grande maioria.

A carreira docente, presa ao modelo burocrático, constrói-se de artificialismos espartilhantes como o tempo de serviço e as quotas, minimizando o impacto, para a grande maioria dos docentes, das características que qualquer um deles, por força da função que desempenham, deveriam claramente apresentar: sentido de responsabilidade, sede de conhecimento, reflexividade, autonomia, dinamismo, criatividade, integridade e humanismo.

Assim, a carreira docente é artifício sobre o real, assente em teias compostas de plêiades de regulamentações, fruto, não só do artificialismo inerente à carreira, mas também das suas sucessivas alterações e imprecisões normativas.

Uma das dimensões mais negativas das quotas para as menções da avaliação docente é a sua aplicação a universos distintos, por vezes de dimensão extremamente reduzida. O que faz com que, se por coincidência de ciclo avaliativo, um número muito reduzido desses docentes se encontre num universo específico, por muito excelente e de elevado mérito que a maioria seja, as menções mais elevadas só estarão ao alcance de significativos poucos.

Este é o cenário habitual do universo em que se integram os Coordenadores de Departamento. Embora escolhidos pelos seus pares, que neles reconheceram mérito e características próprias para exercer o cargo, poderão, por força precisamente desse reconhecimento dos pares, ter esse mérito não reconhecido em sede de carreira formal, com claro prejuízo.

A cereja no topo do bolo deste constructo são as vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões, sujeitas a um número anual previamente desconhecido e superiormente preconizado, com sérias – e do atrás exposto –, e muitas vezes injustas, consequências para os docentes que delas dependam, para além da clara sensação que transmitem de imprevisibilidade, discricionariedade e ausência de controlo dos próprios sobre as suas carreiras.

Esta é uma injustiça que afeta muitos, incluindo Diretores, atores também escolhidos pelos pares e comunidade para os liderar. No entanto, neste último caso, apesar de toda a significativa responsabilidade que a lei lhes incumbe, ainda existe o fator que derivam de uma candidatura, que traduz uma opção do próprio, e uma compensação remuneratória associada ao desempenho do cargo. Tal não sucede no caso dos Coordenadores de Departamento, que nem são candidatos, nem possuem qualquer prerrogativa especial para o cargo que desempenham. Pensamos que esta é uma clara injustiça que urge corrigir desde já, independentemente de uma reflexão e da necessidade de alterações profundas, que entendemos necessárias, às carreiras na função pública.

Senão, como aliciar profissionais motivados e válidos que construam uma função pública servidora e de vanguarda, assegurando os pilares primeiros do Estado de Direito Democrático?

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