João Ruivo
As variáveis de presságio do ministro Nuno Incrato faziam prever o que iria suceder. Para tal bastava ter lido a sua mediana obra, publicada vai para uma meia dúzia de anos, que dá pelo nome - O "Eduquês" em Discurso Directo: Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista. Obra cheia de vulgaridades e lugares comuns, onde Nuno Incrato se esforça por demonstrar que não percebeu uma só linha dos resultados da investigação em educação das últimas três décadas.
Com uma mente condicionada, em regime de exclusividade, à racionalidade matemática, não nos admira que confunda, sistematicamente, números com pessoas, orçamentos com estratégias educativas, poupança com reorganização escolar…
A cinzenta equipa de secretários de estado, que o acompanham na concepção e execução destas políticas educativas (?) também não ajuda à missa. Mas a esse assunto voltaremos em momento próprio.
Victor Hugo afirmava que por cada porta de uma escola que se abria, havia uma porta de uma prisão que se fechava. Nuno Incrato não leu, ou não percebeu esta forte metáfora. Por isso prefere continuar a brincar ao faz de conta, deixando milhares de profissionais da educação no desemprego, ou sem serviço lectivo, num país que culturalmente tem ainda que saltar muitas etapas para atingir a mediania dos países que agora nos emprestam o dinheiro que ele gasta e tutelam (mandam) o nosso país, de soberania já limitada.
Por aqui, o despedimento de milhares de professores, provocado artificialmente por meras medidas administrativas que põem em causa a qualidade do ensino, da aprendizagem e o futuro da escola pública, é encarado como sendo uma medida de arrepiante normalidade. Mesmo por alguns jornalistas, que andaram na escola, e a ela devem a sua profissão.
Por isso, reafirmamos que o despedimento, ou colocação na inactividade, de milhares de profissionais qualificados, experientes, e de dádiva diária, (no grupo socioprofissional europeu em que há mais casais no exercício da mesma profissão), constitui um grave atentado aos nossos princípios constitucionais e aos compromissos que assumimos com os nossos parceiros europeus, no sentido da construção de um espaço comum de educação e cultura.
Por aqui, este inqualificável desperdício de quadros qualificados, faz de conta que foi considerada uma mera medida de ajuste do sistema educativo. Faz de conta que essa medida foi sustentada em qualquer relatório de uma qualquer comissão de avaliação externa, independente e credível… Faz de conta que, pelo contrário, a OCDE não divulgou que o número de alunos no básico e secundário tinham aumentado em Portugal em mais 70 mil. Faz de conta que a EU não nos obriga a aumentar para 40% o número de diplomados no ensino superior, entre os 30 e os 34 anos, até 2020.
Por isso mesmo, faz de conta que não vivemos num país em que inúmeros pais dos nossos alunos ainda têm menos habilitações académicas do que os seus filhos. Faz de conta, ainda, que já não há alunos com avós analfabetos. Faz de conta que não se reduziram as actividades, os currículos e horas curriculares nas escolas, para provocar fictícios excedentes de professores e de educadores. Faz de conta que, actualmente, os professores não fazem um pouco de tudo, menos o que deveriam (e sabem) fazer: isto é, ensinar, educar, orientar e promover o desenvolvimento dos seus alunos.
Faz de conta que não há estudantes com fome nas aulas, e que o ensino já é tão gratuito que ainda querem que ainda seja mais bem pago. Faz de conta que os professores podem (devem?) ficar em casa, desocupados, num país onde ainda falta muita escola, cultura, aprendizagem da cidadania e, sobretudo, apoio a alunos com necessidades educativas especiais e a grupos socioculturais altamente carenciados e diferenciados.
Faz de conta que o ministro não tem os corredores do seu ministério apinhados de assessores de duvidosa proveniência e que não é imune aos grupos de pressão, sobretudo os que tentam repartir o bolo entre o público e o privado. Faz de conta que os rankings das escolas traduzem a real e verdadeira situação dessas organizações educativas, na sua globalidade. Faz de conta que não temos uma das redes europeias mais pequenas de ensino superior público e que os ditos mega agrupamentos não se baseiam em medidas de caracter exclusivamente orçamental.
Faz de conta que os professores não têm que fazer centenas de horas extraordinárias não remuneradas, e adicionalmente, tenham que pagar os transportes para se deslocarem, diariamente, para o seu local de trabalho, ao contrário de outros grupos socioprofissionais do Estado.
Faz de conta que os docentes nunca souberam o que significava a expressão mobilidade geográfica e profissional e que Portugal não está a custear a formação dos seus jovens para que outros países os acolham, já formados, e sem qualquer custo adicional.
Não queremos uma escola pública que seja de baixa qualidade. Queremos uma escola que seja exigente na valorização do conhecimento, e promotora da autonomia pessoal. Uma escola pública, laica e gratuita, que não desista de uma forte cultura de motivação e de realização de todos os membros da comunidade escolar. Uma escola pública que reconheça que os seus alunos são também o seu primeiro compromisso, que seja lugar de democracia, dentro e fora da sala de aula, que se revele enquanto espaço de aprendizagem, e que se envolva no debate, para reflectir e participar no complexo mundo em que hoje vivemos.
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