Mário Nogueira
A reação do primeiro-ministro pode ter parecido desproporcionada, mas não foi, dado o objetivo perseguido. Impregnado do mais repugnante oportunismo político, governo e PS optaram pela vitimização e, tentando virar os portugueses contra os seus professores, procuram atingir o que não conseguem de outra forma.
A propósito da contagem do tempo de serviço dos professores, têm-se ouvido os mais diversos comentários e mentiras, vindos de gente com responsabilidade política e/ou social, que a aproveita para promover uma desprezível campanha contra profissionais que merecem ser tratados com consideração e respeito. Tornam-se, até, indisfarçáveis, sentimentos de inveja e ódio, habituais em alguns casos e surpreendentes em outros.
Tudo porque, no Parlamento, houve entendimento entre partidos para recuperar os 9 anos, 4 meses e 2 dias de trabalho que os professores cumpriram. Só que o PS autoexcluiu-se dessa convergência e não tolerou que outros se entendessem. Tudo tem servido para o combate político, até a foto em que diversos deputados redigiam um texto que refletisse as cinco propostas em discussão. Compreende-se que, a quem não aparece na foto, impressione uma negociação séria e transparente, tão acostumado que está à negociata em esconsos recantos, à farsa e ao recurso à chantagem como “estratégia negocial”. E quanto a convergências, só as que servem os seus, raramente claros, interesses.
Aquilo em que CDS, PSD, PCP, BE e PEV convergiram foi natural, conhecidos que eram os seus pontos de partida: os 2 anos, 9 meses e 18 dias a recuperar em 2019, mas apenas pagos em 2020, são os mesmos que o Governo já havia reconhecido, só que sem implicações orçamentais em 2019, ao contrário da solução imposta pelo Governo; os restantes 6,5 anos são aqueles que o Governo estava obrigado a negociar por força da norma constante no OE 2019 e, já antes, no de 2018. Violada a norma, compete ao Parlamento clarificá-la, não deixando margem ao Governo para interpretações criativas no futuro. Os partidos não se substituíram ao Governo, pois deixaram para negociação a recuperação desses 6,5 anos, aclarando as balizas.
A reação do primeiro-ministro pode ter parecido desproporcionada, mas não foi, dado o objetivo perseguido. Impregnado do mais repugnante oportunismo político, Governo e PS optaram pela vitimização e, tentando virar os portugueses contra os seus professores, procuram atingir o que não conseguem de outra forma: estancar a lenta quebra visível em sondagens que apontam para uma vitória à “poucochinho”; tentar maioria absoluta nas legislativas para retomarem uma governação que os professores nunca esquecerão, pois esteve na origem das suas maiores manifestações de sempre.
Os argumentos de governantes e alguns comentadores, uns por frete, outros por ódio declarado a professores, são de baixo nível e destinados a manipular a opinião pública. O Governo não está preocupado com o país, pois, se estivesse, não destruía, como tem feito, o SNS e tinha um ministro para a Educação. O Governo quer é usar os professores como exemplo para todos os que ousam contestá-lo e tudo vale nesse sentido, até manipular. Vejamos:
– Os salários dos professores são iguais aos de outros profissionais com igual qualificação. O valor global é elevado porque os professores são mais de 120.000 (quase 20% dos funcionários públicos), mas estranho seria se, por serem muitos, tivessem de ganhar menos;
– Dos grandes grupos profissionais da nossa administração pública, os docentes são o mais qualificado, sendo mesmo um dos mais qualificados em todo o mundo;
– Os salários líquidos dos professores (é com esse que sobrevivem, tantas vezes a centenas de quilómetros de casa) situam-se entre os 1000 e os 1900 euros, sendo necessários 34 anos de serviço, divididos em dez escalões, para ir de um ao outro; mas há professores, colocados bem longe e com horários incompletos, que nem 500 euros ganham, tendo-lhes até sido retirado o direito a prestações sociais para as quais descontam;
– Um professor que trabalhe há 17 anos (metade do tempo para atingir o topo) não está a meio da carreira, mas no 1.º escalão. Ganha menos num mês do que comentadores ditos “de referência” em escassa meia hora. Nela proferem afirmações que provocariam grave avaria em qualquer polígrafo a que estivessem ligados;
– Nos escalões de topo não estão os que o Governo afirma, mas quem nele se encontra, salvo raríssimas exceções, tem 40 ou mais anos de serviço e 60 ou mais de idade; são docentes que o Governo impede de se aposentar, ao mesmo tempo que desperdiça gerações de jovens em que o país investiu;
– A progressão na carreira docente não é automática; depende de tempo de serviço, avaliação, muitas horas de formação contínua e, em alguns escalões, ainda de observação de aulas e existência de vaga;
– O Parlamento não discriminou qualquer grupo profissional, nem quebrou equidade entre profissões, pois não fez nenhuma lei; os partidos limitaram-se a introduzir alterações num diploma legal do Governo (DL 36/2019) que apenas se refere aos professores. Portanto, se alguém se esqueceu de outros foi o Governo, que os deixou de fora para, arrumados os docentes, estender, então, a farsa negocial aos demais;
– Se discriminados existem, são os professores que exercem atividade no continente, não só em relação à generalidade dos trabalhadores da administração pública, como em relação aos seus colegas da Madeira e dos Açores; aqui, sim, houve quebra de equidade entre profissionais do mesmo país e até na terra de César o PS votou a favor da recuperação total; hipocrisia?
É inaceitável a desvalorização, o desrespeito e o desprezo pelos professores que alguns tentam passar ao país. Os professores dão o melhor de si nas escolas. Compensam o que o ministério não quer dar, o que a escola não tem para dar e o que muitas famílias não conseguem dar. Conseguiram, com esforço e profissionalismo, baixar, como nunca, o insucesso escolar e manter padrões de qualidade nas respostas que a escola dá. Apesar disso, são enxovalhados e insultados por gente que não lhes chega aos calcanhares.
Os alunos portugueses são, na OCDE, os que revelam maior consideração pelos seus professores, mas os que menos querem seguir a profissão. Há cursos para a docência que já não têm candidatos, indiciando que, em breve, Portugal voltará a recrutar gente sem qualificação para a profissão. Se acontecer, o país pagará caro, com a quebra de qualidade na formação das atuais e futuras gerações.
O respeito pelos professores e a dignificação do seu estatuto profissional são indissociáveis da escola e da educação. Reconhece-o a própria Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI que no seu relatório para a UNESCO, já em 1998, assinalava: “O respeito pelos professores gera o respeito pela profissão que exercem. (...) Com efeito, os estatutos dos professores e da educação estão de tal modo interligados que o que quer que provoque mudanças num produzirá mudanças na mesma direção no outro.”
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