Paulo Guinote
Leio no PÚBLICO, com inegável espanto, que o primeiro-ministro considera a possibilidade de um novo confinamento mas que “a grande diferença em relação ao confinamento de Março será relativamente às escolas, que se deverão manter abertas e com aulas presenciais”. Mas como é possível existir um “confinamento” com mais de milhão e meio de alunos dos vários níveis de ensino em circulação pelo país? Com tudo o que isso implica de utilização dos transportes públicos ou deslocação de familiares? Poderá isso ser considerado um “confinamento”?
Não vou entrar pela questão da aparente crença num milagre de “contágio zero” nas escolas, pois só quem por lá anda sabe o secretismo que tem envolvido a divulgação de situações verificadas entre alunos e professores, tenham origem nos respectivos ambientes familiares ou em outros ambientes extra-escolares. Nem sequer explicar por que o fecho das escolas em Março teve uma grande responsabilidade na redução da circulação de pessoas e no controle dos contágios durante a chamada “1.ª vaga”.
Gostaria apenas de abordar, de forma breve, as razões para que se contemple um eventual novo confinamento com as escolas de portões abertos sem que isso não parece uma piada de fraco gosto. Porque algumas das razões me parecem evidentes e consequência directa do modo displicente ou meramente incompetente como, da Primavera de 2020 até agora, se encarou a preparação das comunidades educativas para a eventualidade de uma previsível 2.ª vaga da pandemia a coincidir com o Inverno de 2020-21.
Apesar de sucessivos anúncios de centenas de milhares de euros para a Transição Digital na área da Educação (400 milhões), em grande parte enquadrados no Plano de Recuperação e Resiliência (no qual se anunciaram 538 milhões de euros para as escolas), a realidade é que os primeiros kits tecnológicos para os alunos mais carenciados chegaram à generalidade das escolas com o 1.º período a finalizar e numa quantidade manifestamente insuficiente para as necessidades identificadas durante o falhado período de E@D. Se existe cerca de 20-25% da população sem acesso doméstico à internet e se será maior a quantidade que, mesmo com esse acesso, não tem equipamentos disponíveis ou adequados para seguir um modelo de ensino remoto, não-presencial, os 100.000 kits (terão custado 30-35 milhões de euros?) que foram distribuídos estão muito longe dos meios indispensáveis.
Por outro lado, só este mês está a arrancar um Plano de Capacitação Digital de Docentes que, para além “da capacitação de docentes”, previa “i) a disponibilização de equipamento individual ajustado às necessidades de cada nível educativo para utilização em contexto de aprendizagem; (ii) a garantia de conectividade móvel gratuita para alunos docentes e formadores do Sistema Nacional de Qualificações [e] (iii) o acesso a recursos educativos digitais de qualidade”. Só que nada disto ainda existe. Pelo menos nas escolas. Aliás, na generalidade dos equipamentos disponíveis nem sequer existem webcams que permitam assegurar um ensino remoto a partir do espaço escolar. Pelo que, nas situações em que tal foi necessário devido a situações em que alunos ficaram impedidos de assistir presencialmente às aulas, muito teve de ser feito com base no improviso ou no bom e velho “desenrascanço”. Que não pode ser a regra. Como não podemos ter um novo período de E@D baseado nos equipamentos pessoais dos docentes e no seu espírito de missão. Porque tudo poderia ser feito com os professores nas escolas e os alunos em casa, se já tivesse sido criada uma rede digital funcional, em vez de se andar a filmar umas aulas de escassa utilidade para o #EstudoEmCasa.
É esta óbvia falta de meios para concretizar com alguma qualidade um novo período de ensino não-presencial, em associação a alguns atávicos preconceitos sobre o trabalho docente que não é momento de recuperar, que explica que se considere um novo confinamento com as escolas abertas. Passou quase um ano e muito pouco está diferente. Perdeu-se demasiado tempo, pois desde Junho se sabe porque as coisas não correram bem e porquê. Se o tempo que vivemos é de emergência, é importante que se actue com rapidez e eficácia, não com hesitações ou calculismos políticos que apenas parecem preocupados em transmitir a ideia de uma impossível “normalidade”.
Nem faz sentido regressar o chavão de que, fechando as escolas, “a economia pára”, porque o país precisa mesmo de parar. A dias do primeiro confinamento escrevi que “sem as escolas a funcionar, o país entra em colapso”. O problema é que, desta vez, é muito possível que tenhamos de fechar tardiamente as escolas, por já estar o país em colapso.
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