sexta-feira, 2 de abril de 2021

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José António Moreira

A evolução das tecnologias e das redes de comunicação digitais têm provocado mudanças acentuadas na sociedade, impulsionando o nascimento de novos modelos, processos de comunicação educacional, bem como novos cenários de ensino e de aprendizagem. Mas ninguém, nem mesmo os professores que já adotavam ambientes virtuais nas suas práticas pedagógicas, imaginavam que seria necessária uma mudança tão rápida, emergencial e obrigatória, devido à expansão da pandemia covid-19.

Com efeito, a suspensão das atividades letivas, ditas “presenciais”, na geografia física das escolas, na primavera de 2020, e mais recentemente em janeiro de 2021, gerou esta obrigatoriedade dos professores e alunos migrarem para a realidade virtual, revelando, por um lado, as possibilidades e desafios da Educação Digital em Rede, e por outro, o papel crucial das escolas como comunidades de pertença e segurança. A crise e as experiências, sobretudo, de ensino remoto de emergência, nesse confinamento de 2020, em toda a Europa e no mundo, e o subsequente funcionamento dual, com a reabertura parcial das escolas, em alguns desses países, permitiram também colocar em prática modelos mais flexíveis, designados de modelos hybrid flex, que possibilitaram, por exemplo, a separação da turma em espaços distintos, com uns ligados remotamente às aulas, e outros presentes no espaço físico da sala de aula.

Neste momento, anunciando-se o regresso aos espaços físicos das escolas, por alguns denominados como os espaços “sagrados” onde se constrói em exclusividade o conhecimento, ignorando o potencial dos espaços virtuais e das redes de comunicação, territórios onde os nossos alunos se movimentam e navegam com destreza, é tempo de pensar que espaços e ambientes vamos ter na educação pós-pandemia. Se é certo que nesta fase vamos repetir as soluções dos modelos hybrid flex já referidos, até, porque o vírus vai continuar a “obrigar” alguns professores e alunos, a ensinar e a aprender a partir de casa, é necessário começar a pensar num novo paradigma pós-pandemia que nos permita construir uma renovada educação, com uma presença mais intensa do digital e das redes de comunicação, e, sobretudo, uma educação mais hybrid, mais blended, mais flex, claramente, mais OnLife.

A respeito do termo OnLife é importante referir que o conceito teve origem no projeto Iniciativa Onlife, lançado pela Comissão Europeia, que se preocupou, essencialmente, em compreender o que significa ser humano nesta realidade hiperconectada. No The Onlife Manifesto (2015)[1], texto resultante do projeto coordenado pelo Professor Luciano Floridi, defende-se o fim da distinção entre o offline e o online, e destaca-se a ideia de que as tecnologias digitais e as redes de comunicação não podem ser encaradas como meras ferramentas, mas como forças ambientais que afetam a nossa auto-conceção (quem somos), as nossas interações (como socializamos) e a forma como ensinamos e como aprendemos.

Numa altura que são apresentados planos de ação para uma educação mais digital, quer a nível nacional, quer internacional, como são os casos do Plano de Ação para o Desenvolvimento Digital das Escolas (PADDE)[2] em Portugal e do Plano de Ação para a Educação Digital (2021-2027)[3] pela Comissão Europeia, torna-se necessário pensar num paradigma que permita dar “corpo” a estes planos de ação com linhas de ação estratégicas semelhantes, sobretudo, associadas à necessidade, por um lado, de criar e desenvolver um ecossistema de educação digital eficaz e de qualidade, com infraestruturas, conectividade e equipamento digitais e conteúdos de aprendizagem de elevada qualidade, e por outro, de reforçar as competências e aptidões digitais para a transformação digital de todos os atores educativos.

Foi, também, com a intenção de pensar nesse novo paradigma que, em 2020, já durante o período da pandemia, foi criada a Rede Internacional de Educação OnLIFE[4] (RIEOnLIFE), rede organizada pelo Grupo de Pesquisa Educação Digital (GPe-dU-UNISINOS/CNPq/Brasil), em parceria com a Universidade Aberta (Portugal), e vinculada ao projeto de investigação Transformação Digital na Educação: Ecossistemas de Inovação em Contexto Híbrido e Multimodal, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/ do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Brasil, que tem como principal objetivo criar uma plataforma de Educação OnLIFE, conectando investigadores, gestores, professores e alunos para, a partir do conhecimento das diversas realidades educacionais, configurar um novo ecossistema digital de inovação na educação, mais híbrido e blended.

Com efeito, estes planos de ação de educação digital sublinham a importância de criar um ecossistema inovador que permita combinar diferentes presenças (físicas e digitais), tempos (síncronos e assíncronos), tecnologias (analógicas e digitais), culturas (pré-digital e digital) e, sobretudo, articular diferentes espaços e ambientes de aprendizagem (analógicos e digitais). Mas, mais do que a integração de ambientes físicos e virtuais de aprendizagem, este ecossistema deve afirmar-se como um conceito de educação total caracterizado pelo uso de soluções híbridas, envolvendo a interação entre diferentes modalidades, abordagens pedagógicas e recursos tecnológicos.

Falar, pois, em processos de inovação sustentada neste contexto, e não disruptivos, significa que estas formas híbridas, devem apresentar-se como uma tentativa de oferecer “o melhor dos diferentes mundos”, porque na realidade esta “promessa” de obtenção do “melhor” pode aliar com sucesso, por exemplo, as vantagens da sala de aula física com os benefícios das salas de aula virtuais, permitindo assim que todos os professores sejam incorporados neste processo de transição e de mudança. Implementar um ecossistema de educação digital hyflex e blended, não como um processo de disrupção pura, mas como um processo de inovação sustentada, permitirá avançar para a ideia de uma comunidade educativa unida nos seus propósitos de mudança. Creio, pois, que este é o caminho para a mudança para esta realidade mais digital...

E não é exatamente um caminho completamente novo, porque nos últimos quinze anos, as experiências blendedaumentaram significativamente, como resultado das diferentes iniciativas para inovar pedagogicamente, sobretudo no ensino para comunidades itinerantes, no ensino para alunos atletas de alta competição, bem como em escolas de áreas remotas ou em situações de emergência relacionadas com conflitos armados ou catástrofes naturais.

E é por estas razões que defendo um novo ecossistema de educação digital OnLife, hybrid e blended, sendo que o importante é que as decisões sejam baseadas no que é melhor para o aluno em função do contexto, que haja uma compreensão clara e uma justificação sólida para a incorporação deste ecossistema e que as ações sejam cuidadosamente planeadas, criadas e monitorizadas.

Mas para além disso, esta nova realidade requer também um alto nível de competência e inovação por parte dos professores e dirigentes escolares e uma mudança no sistema educativo e nos seus mecanismos de apoio, a nível de legislação e estruturas, recursos, desenvolvimento profissional e garantia de qualidade.

Com efeito, é necessário definir um novo “quadro” legislativo com uma estrutura flexível que permita que as mudanças aconteçam. Um quadro que contemple, por exemplo, uma existência formal e “visível” dos ambientes virtuais, com um espaço e um tempo próprio na componente letiva; que descreva como os currículos e a avaliação podem ser abordados ou ajustados para funcionar de forma eficaz nesta nova realidade mais híbrida; que defina diretrizes para estruturas mais flexíveis e combinadas de ensino e aprendizagem; e que exija que todos os agentes educativos realizem formação neste domínio.

Este cenário exige, pois, que após este período de emergência mundial, se criem e desenvolvam mais estruturas que respondam a estas mudanças e às necessidades da formação docente, que realcem a realidade multifacetada, multidimensional, multidisciplinar e multicultural, assim como a articulação de saberes que se exige aos atuais professores, integrados na anunciada, já há bastante tempo, sociedade digital em rede. O futuro está aí e precisamos de avançar já para a operacionalização dos planos de ação anunciados. Depende de todos nós criar uma nova Educação Digital Onlife de Qualidade em prol dos nossos alunos e cidadãos.
José António Moreira

[1] Disponível a partir de: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-319-04093-6#about
[2] Disponível a partir de: https://www.dge.mec.pt/pcdd/pdde.html
[3] Disponível a partir de: https://ec.europa.eu/education/education-in-the-eu/digital-education-action-plan_pt
[4] Disponível a partir de: http://rieonlife.com/

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