OS EFEITOS DO CONFINAMENTO NAS CRIANÇAS E NAS FAMÍLIAS. O QUE PRECISAMOS?
Ofélia Libório
São vários os efeitos nefastos nas crianças, resultantes das medidas de confinamento.
A minha experiência pessoal, como educadora, permite-me afirmar que a extensão dos problemas se agudizou com o segundo confinamento.
Através das experiências de E@D que realizei foi possível constatar que muitas crianças desenvolveram inseguranças exageradas. Têm, por exemplo, muito presente o medo de perder familiares e amigos.
Também foi possível observar que muitas crianças passaram muito tempo sozinhas, demasiado, na companhia da televisão ou da consola de jogos, enquanto os adultos cuidadores estavam em teletrabalho ou apoiavam irmãos mais velhos.
Muitas crianças ficaram muito tempo fechadas nas suas habitações, sem possibilidade de brincar ao ar livre e de realizar as atividades motoras que a sua condição de desenvolvimento exige. Por essa razão, tentámos, no meu agrupamento de escolas, lançar desafios educativos às famílias que implicassem passeios com as crianças.
Evidentemente não falamos de todas as crianças e felizmente que as há muito resilientes e que se mantêm saudáveis, apesar de tudo.
Há também todas aquelas crianças de que soubemos muito pouco ao longo deste tempo de confinamento e que nos devem merecer a maior das preocupações, pelo alheamento a que foram sujeitas relativamente a experiências sociais e culturais a que têm direito.
Atualmente temos evidência científica a demonstrar-nos a importância da Educação de Infância na formação da personalidade das crianças e no seu futuro enquanto adultos. Temos aproximadamente meio século de estudos longitudinais a comprová-lo. Sabemos também que são as competências de personalidade e não o QI o mais determinante em testes de conhecimento ao longo da vida. Prevê-se que serão as competências sociais, emocionais, não cognitivas, as essenciais para responder aos empregos do futuro. E constatamos que a pandemia representou, para todas as crianças, um corte em experiências sociais e culturais adequadas, traduziu-se em menos oportunidades de desenvolvimento das tais competências sociais e emocionais.
Não só porque as crianças ficaram confinadas, mas porque se implementaram em muitos contextos educativos práticas sanitárias impeditivas desse desenvolvimento.
Se em alguns contextos foram encontradas soluções criativas e sensatas, outros houve em que as crianças foram separadas e, mesmo no exterior, foram impedidas de brincar em grupo.
As competências sociais e emocionais parecem não ser uma preocupação. Relativamente ao ensino formal, constatamos nos discursos oficiais e na comunicação social uma grande preocupação com os conteúdos curriculares que não foram abordados na modalidade de E@D e também com o tempo necessário para os recuperar.
No entanto, pouco ou nada se fala daquelas outras aprendizagens essenciais para o futuro, ou da qualidade de vida atual de crianças e jovens.
As crianças e jovens têm direito a condições de vida dignas e adequadas às suas características de desenvolvimento, apesar da pandemia.
São essas características, a sua condição de cidadãos particulares, que nos desafiam enquanto sociedade a encontrar respostas para responder aos seus Direitos de Provisão e Proteção, mesmo em situações difíceis.
Mas as crianças têm também direito a ser ouvidas nos assuntos que lhes dizem respeito.
No entanto, a pandemia mostrou que os direitos de Participação não são socialmente assumidos, a julgar pelo número de vezes que as crianças foram ouvidas relativamente a todas as mudanças nas suas vidas, decorrentes da pandemia.
A participação das crianças torna-as visíveis, ajuda a desocultar problemas, nomeadamente aqueles que são relativos aos Direitos de Provisão e Proteção. Além disso, as crianças têm soluções para problemas que não ocorrem aos adultos.
Do ponto de vista educativo o que precisamos fazer em prol das crianças já tinha sido elencado antes da pandemia, apenas se tornou mais evidente e urgente.
Precisamos de um sistema educativo que se oriente pela ideia de um futuro melhor para todos e que terá necessariamente a sustentabilidade do planeta como grande temática educativa. Um sistema educativo com a consciência de que esse futuro depende da qualidade educativa que formos capazes de criar no presente.
E, sobre essa qualidade educativa, apesar da subjetividade cultural do conceito, sabemos que há recursos que são determinantes. É necessário olhar para esses recursos, para o que temos e para o que nos falta.
Focando-me na Educação de Infância diria que:
- Precisamos de profissionais que, para além de qualificados, terão de sentir-se envolvidos e motivados para poder estabelecer relações positivas com famílias e crianças. Profissionais sensíveis às necessidades emocionais e cognitivas das crianças, para poder escutar, estimular e envolver-se em comunidades de aprendizagem, trabalhando em equipa com outros profissionais;
- Precisamos de espaços e materiais adequados para a realização de experiências essenciais na infância, de que destaco o brincar em todas as suas tipologias, o movimento, as experiências na natureza, assim como as experiências culturais e artísticas;
- Precisamos de comunidades que olhem para o espaço educativo da creche e do jardim de infância como centrais, mas que, simultaneamente, os identifiquem como mais um e não o único onde as crianças têm oportunidade de fazer experiências, brincar, viver as suas infâncias. Os espaços urbanos têm de responder às necessidades das crianças, ser amigáveis, para poder ser habitados por elas;
- Precisamos de famílias com recursos materiais e parentais, ou respostas para a falta deles, que lhes permitam cuidar e educar as suas crianças. Há famílias a que faltam recursos, a que faltam as condições laborais adequadas e há também aquelas que necessitam ser apoiadas ao nível das suas competências parentais;
- Precisamos de articulação de serviços na comunidade, que possibilitem uma resposta coerente e concertada às necessidades das crianças e das suas famílias, sobretudo agora que os problemas se intensificam, nomeadamente ao nível da saúde mental. Muitas respostas dispersas e colocadas em serviços centrais não ajudam quem delas precisa;
- Precisamos de contar com a participação das crianças para ultrapassar esta pandemia e os problemas que dela decorrem, assim como todas as pandemias que poderemos vir a ter de enfrentar no futuro.
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