Paulo Guinote
Umas das “novidades” no arranque deste ano lectivo foi a “teoria das bolhas”, importada de outras paragens de forma muito pouco crítica e que tem sido apresentada como se fosse uma estratégia eficaz para a segurança dos alunos nas escolas e, por extensão, da reabertura das escolas e das aulas presenciais.
Afirma esta “teoria” que os alunos deverão andar nas escolas num ambiente próximo de “bolhas” não comunicantes, mantendo-se com o seu grupo-turma numa sala específica ao longo do dia escolar (“sempre que possível”), fazendo trajectos diferenciados (“sempre que possível”), com horários desfasados (“sempre que possível”) e evitando espaços comuns de convívio (“sempre que possível”). É uma “teoria” que só poderia ser pensada por quem imagina as escolas como espaços utópicos, as salas da maioria da nossa rede escolar como uma espécie de salões ideais e o nosso ministério da Educação como uma instituição que permite a alteração das regras de funcionamento de acordo com as circunstâncias excepcionais que vivemos.
Mas não é isso que se passa e a “teoria das bolhas” tem muitas falhas, assentando em falácias e num enorme distanciamento da realidade física da maioria das nossas escolas.
Antes de mais, cada pseudo-bolha no espaço escolar é formada a partir de elementos que chegam à escola provenientes de bolhas familiares bem distintas e que para elas voltam ao final do dia. Pelo que a “bolha” de 3ª feira não é a bolha de 2ª feira. E assim sucessivamente. Todos os dias se renovam as bolhas e se reinicia um processo que, mesmo que apenas idealmente, dura apenas as horas de permanência na escola. O mesmo se dirá para o pessoal docente e não docente.
Mas, mesmo no seu interior, e nem sequer falando da socialização entre alunos de “bolhas” diferentes e do seu cruzamento em espaços comuns, há “bolhas” que se formam a partir de outras, devido às disciplinas que se formam a partir de elementos de turmas diferentes. Não se trata apenas de Educação Moral e Religiosa ou de Português Língua Não-Materna no Ensino Básico. Temos muitas disciplinas de opção no ensino Secundário, pois o ministério da Educação não permite o funcionamento de turmas abaixo de um determinado número de alunos, pelo que há múltiplas situações em que os alunos de uma “bolha” se recombinam em outra.
E ainda há os pequenos grupos de trabalho da agora chamada “Educação Inclusiva”.
Não pode ser de outra forma? Poder, até poderia, acaso a “flexibilidade” não fosse apenas ao nível da extensão dos intervalos e a “autonomia” não chocasse com a impossibilidade de desdobrar turmas quando isso implica a contratação de mais professores.
Há escolas que, em virtude de terem menos alunos ou terem sido intervencionadas pela Parque Escolar e disporem de equipamentos mais adequados, conseguiram criar ambientes seguros para os alunos, com condições próximas das ideais. Mas essa não é a realidade da maioria, que me desculpem os optimistas do “tudo vai acabar bem” com tapetes de arco-íris à porta de casa.
Que a “teoria das bolhas” sirva a “narrativa” política não me admira. Que um “ministro cientista” a apresente como válida é que me impressiona um pouco. Apenas um pouco. Porque já me habituei a quase tudo.
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