O ensino imóvel
Paulo Guinote
O preço da aparência de uma nova normalidade tem parcelas de que nem todos se apercebem na conta final. Diariamente, somos informados de novos casos de contágio, de casos activos, de casos em cuidados intensivos, de óbitos, numa sucessão que, excepto quando existem momentos mais dramáticos, acaba por nos anestesiar pelo efeito de repetição, mesmo saturação, que diminui a capacidade e até mesmo a vontade de nos apercebermos de outras circunstâncias que envolvem os efeitos da pandemia.
O que se passa em lares de idosos é dramático e o principal sinal de que se perderam meses, sem fazer o devido trabalho de prevenção em espaços de risco. Assim como em hospitais, mas sobre eles tenho, nos últimos meses, apenas um conhecimento indirecto e deixo a quem sabe o tratamento de assunto tão delicado, que não deveria ser tomado de assalto por gente que, sem saber do que fala, muito fala ou escreve.
Limito-me à realidade que conheço de forma directa, através do quotidiano vivido e do que me é relatado em primeira mão por colegas e gente amiga, acerca do que se passa nas escolas em termos de procedimentos perante situações de contágio ou casos positivos, de alunos a professores, passando por pessoal docente. Casos isolados ou surtos, detectados e tratados a tempo ou deixados em espera na esperança de que tudo se desvaneça. Que seguem protocolos claros ou variantes nem sempre óbvias na sua lógica; em que as “autoridades locais de saúde” actuam desta ou daquela maneira, com estes critérios ou aqueles, embora nos digam que todos seguem as mesmas regras. O que não é bem verdade.
Conheço casos em que alunos com sintomas só foram testados mais de uma semana depois, recebendo o resultado ainda um par de dias depois, sem que o desfecho “negativo” tenha algum significado em relação a quem com ele contactou nos dois a três dias anteriores aos sintomas. Enquanto em outros, basta uma suspeita para toda uma turma ser enviada para casa. Por vezes em concelhos vizinhos, em outras no mesmo concelho.
E percebi que a concepção geral das autoridades (sejam as da política central, sejam as da saúde local) é a de que as escolas e as aulas funcionam de um modo totalmente idealizado e utópico. E à imagem do retrato caricatural de uma sala de aula estática, em que alunos e professores são uma espécie de figuras de cera. Em que há as tais “bolhas” que não comunicam entre si, se deslocam de modo estanque pelos espaços escolares e, como não se demonstrou a existência de vírus debaixo das mesas das salas, não existe qualquer risco (no caso do Secundário nem parece haver a noção de que há disciplinas com alunos de turmas diferentes).
Para além de a pandemia nos ter revelado que o modelo de ensino presencial tradicional ainda é o melhor, também nos está a dizer que o modelo pedagógico do professor no alto do palanque é a realidade das escolas do século XXI. O que não é verdade
Não vou repetir o que já se escreveu sobre a irrealidade de se achar que os portões das escolas funcionam como um véu higienizador, que tudo filtra à entrada e saída. Claro que o risco não nasce no interior das escolas. Transmite-se no interior das escolas, por muito que nos esforcemos contra isso. Mas, mesmo que o risco seja tido como baixo, conviria não enganar a opinião pública com falsas seguranças.
Tomemos o caso de um@ aluno@ que testa positivo após revelar sintomas e que, ao fazer-se o rastreio, se percebe ter o contágio ocorrido cerca de uma semana antes, tendo passado parte desses dias nas aulas. Contactada a autoridade local de saúde, a mesma pede a planta da sala de aula e considera de “elevado risco” um punhado de colegas que terão estado mais próximos d@ alun@. E são enviados para isolamento profiláctico, enquanto os restantes colegas e professores são considerados de “baixo risco de exposição”.
Como se fora da sala todos se tivessem deslocado em formação rígida, de acordo com a planta da sala. Como se, por se localizar a mesa do professor longe d@ alun@ em causa, isso implique que não existiu contacto próximo ao longo das aulas, nem sequer materiais (fichas de trabalho) a transitar de mãos. Como se a planta da sala para Português ou Matemática fosse válida para Educação Física (ou mesmo para Educação Tecnológica). Como se tudo decorresse num espaço sem movimento, com alunos e professores estáticos, encapsulados.
E percebe-se que, para além de a pandemia nos ter revelado que o modelo de ensino presencial tradicional ainda é o melhor, também nos está a dizer que o modelo pedagógico do professor no alto do palanque, o mais longe possível de alunos que mal se relacionam entre si, é a realidade das escolas do século XXI. O que não é verdade. Mesmo se parece ser o mais adequado para que exista o tal ilusório “baixo risco de exposição”.
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