Paulo Guinote
Com os recentes avanços na Inteligência Artificial e os progressos exponenciais na capacidade de armazenamento e processamento da informação, a ameaça de substituição do trabalho humano por automatismos estendeu-se a novas áreas que pareciam imunes à mecanização por implicarem operações mais complexas, em especial no sector dos serviços e até em áreas relacionadas com a própria produção cultural.
Nos debates que nas últimas décadas abordaram a evolução do mercado de trabalho e o impacto da automatização no futuro das profissões, um dos aspectos mais pacíficos é o que se relaciona com a constatação de que a substituição dos trabalhadores por máquinas tem sido tão mais fácil quanto as operações que desempenham possam ser reduzidas a operações mecânicas básicas. Isto tem vindo a verificar-se desde que as linhas de montagem “taylorizadas” começaram a expandir-se em indústrias como a automóvel. E o crescimento desta tendência manteve-se ao longo do século XX, tornando redundantes algumas das profissões que assentam mais em funções repetitivas, facilmente replicáveis.
Com os recentes avanços na Inteligência Artificial e os progressos exponenciais na capacidade de armazenamento e processamento da informação, a ameaça de substituição do trabalho humano por automatismos estendeu-se a novas áreas que pareciam imunes à mecanização por implicarem operações mais complexas, em especial no sector dos serviços e até em áreas relacionadas com a própria produção cultural.
A Educação não tem ficado à margem deste tipo de evolução, com o aparecimento de ferramentas digitais que permitiram enriquecer o reportório metodológico dos docentes, tanto em diversidade de recursos como em rapidez de acesso nas salas de aula. Mas, como em outras épocas, estas ferramentas devem ser encaradas como uma extensão do professor, não como uma via aberta para a sua substituição por máquinas ou processos digitais de ensino automatizado à distância.
Só que uma espécie de fascínio com as novas tecnologias acometeu alguns teorizadores da “Educação do Futuro”, ao ponto de considerarem que grande parte das funções desempenhadas pelos professores podem ser substituídas pela automatização, da transmissão de conhecimentos à avaliação das aprendizagens. E é curioso encontrarmos alguns defensores de uma Educação humanista e diferenciada a promover processos de ensino mecanizados e determinados por algoritmos. Que podem ser úteis para a avaliação de testes “fechados”, de resposta múltipla, mas terão sérias limitações em situações de maior complexidade como o acompanhamento de alunos com graves problemas de aprendizagem que podem ser minorados, mas não se resolvem com ecrãs ou gadgets.
Se há algo que este período marcado pelo ensino remoto nos demonstrou de modo muito claro é que o ensino presencial, dito “tradicional”, ao vivo, com professores de carne e osso nas salas de aula, com as suas peculiaridades, qualidades e defeitos, ainda é o mais eficaz e o que melhor serve os alunos, com destaque para os mais novos. Que a Educação não pode ser encarada como um jogo de Lego e que as pessoas não se reduzem a peças de uma engrenagem. Por muito que se acene com o aspecto lúdico da “gamificação”.
Quando mais se afastar da sua dimensão humana, da interacção presencial e do estabelecimento de laços de empatia entre ensinantes e aprendentes (para usar alguma da terminologia em voga), mais a Educação se transforma numa outra coisa. Sem alma.
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