quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Os professores portugueses são, na OCDE, os que mais preenchem burocracia inútil como um forte contributo para o burnout

A escola, os certificados e o monstro burocrático

Se um currículo não se circunscreve ao cumprimento de programas escolares, também o percurso de um aluno não se resume às notas. Nesse sentido, foi elogiada a inclusão doutras informações nos certificados e diplomas (CeD). É expectável que os jovens, que são estimulados à exaustão para conseguirem avaliações que lhes "assegurem" o futuro, fiquem apreensivos com mais este registo do pouco tempo livre que lhes resta. Ou seja, a valorização do todo também devia resultar da humanização das avaliações e dos seus efeitos. Além disso, a história relata-nos exemplos nefastos com a institucionalização meritocrática - e o controle burocrático - até do voluntariado, com resultados opostos aos proclamados no elevador social.
O secretário de Estado e Adjunto da Educação, João Costa, explicou a ideia à Lusa: “Todo o trabalho extra feito pelos alunos desaparecia. Os diplomas limitavam-se às notas, sem fazer referência a mais nada.”.
Ora um leitor que tenha um familiar ou amigo professor, questionar-se-á: — Queixam-se que escrevem tudo em actas e os dados desaparecem? O desaparecimento referido é, obviamente, metafórico, mas explica o que os estudos concluem e a realidade confirma: os professores portugueses são, na OCDE, os que mais preenchem burocracia inútil (ou que "desaparece") como um forte contributo para o burnout; e é também por isso que a falta estrutural de professores é já inapelável em várias disciplinas.
E perceba-se o tal monstro burocrático.
A participação duma turma numa actividade extra é registada em inúmeras actas - em Word - durante um ano lectivo (reuniões de conselhos de turma, directores de turma, grupos disciplinares, departamentos, direcções, conselhos pedagógico e geral), enviada por incontáveis emails, arquivada nos servidores da instituição e numa plataforma digital (Drive da Google ou algo semelhante) e impressa e arquivada em quilómetros de prateleiras. Mas não consta dos processos, analógicos e digitais, dos alunos, de modo a evitar os procedimentos descritos que habitam um labirinto entrópico. Os analógicos são tratados como no século XIX e os digitais entregues a empresas privadas (em outsourcing) que limitam os campos de inserção da informação a notas, ocorrências disciplinares e faltas. E este inferno de repetição, que "elimina" a possibilidade civilizada de pesquisa como a função primeira, multiplica-se na restante informação escolar, com exemplos caricaturais: as notas dos alunos, que têm os relatórios nas plataformas do outsourcing, são novamente tratadas, pasme-se, pelos professores em Excel ou Word e enviadas e arquivadas do modo relatado.
Este ambiente demonstra o que falta fazer neste domínio, numa nação que até tem provas dadas na sociedade em rede. Imagine-se, em tom risível, o que seria se em cada concelho, ou até freguesia, existisse uma plataforma diferente para o Multibanco e para a Via Verde. Os utilizadores tinham cartões e identificadores para as diversas plataformas e os profissionais concelhios da banca e da Brisa aplicavam os procedimentos do universo escolar. É escusado detalhar os passos seguintes e os resultados para a economia.
E o tal leitor referido, também interrogará: — Mas não há escolas inconformadas? Há, claro que há ou tem havido. Criaram um software integrado centrado nos processos digitais de alunos, professores e restantes profissionais, depuraram com muito estudo a informação essencial e licenciaram-no na protecção de dados. Eliminaram repetições na obtenção de informação e proporcionaram um clima relacional e de inclusão com vantagens inquestionáveis para todos. Foram elogiadas por governantes, serviços centrais do Ministério da Educação (ME) e empresas internacionais. Mas a exemplo do "desaparecimento" dos dados, também esses registos foram obliterados pela governação seguinte. É como se as máquinas partidárias fossem mecanismos sem história das organizações e incapazes de aprender.
Por outro lado, há mais de duas décadas que o ME constrói uma solução Via Verde que actualmente se denomina "E360". Avalie-se esse processo. Perceba-se a sua patológica situação. Se nalguns casos a inadequação dos governantes foi a causa da inacção, também se encontrará um ambiente como o descrito na célebre série da comédia britânica, "Sim, Senhor Ministro (Yes Minister)", que foi transmitida pela BBC desde 1980.
Mas é também notório que ainda prevalece uma tensão constitutiva das relações interpessoais sustentada na prevalência do poder de burocratas. Para José Gil (2005:44), "Portugal, hoje. O medo de existir", esse exercício sustenta a não-acção com o registo da “mínima palavra ou discurso em actas, relatórios, notas, pareceres – ao mesmo tempo que não se toma, em teoria, a mais ínfima decisão, sem a remeter para a alínea x do artigo y do decreto-lei nº tal”. E sublinha, Gil (2005:57), que é um duplo regime: "tenta-se inscrever freneticamente tudo, absolutamente tudo em actas, para que nada se perca ou reina a maior negligência nos arquivos que ninguém consulta nem consultará (espera-se).” Como é óbvio, os dados curriculares também "desaparecem" nos processos de professores e doutros profissionais.
Se esta ideia dos CeD se concretizar, o processo será digital e incluirá as experiências dos anos anteriores. Portanto, será interessante perceber o rigor da informação, o lançamento dos dados e a configuração dos CeD. Provavelmente, nessa altura já não seremos os destacados primeiros da OCDE na burocracia inútil dos professores porque não constaremos dos estudos. Desistiram de nos estudar porque os algoritmos da Inteligência Artificial da Google (do Gmail e da Drive) introduziram uma cláusula adicional humorada nos seus contratos: por prevenção de burnout das máquinas inteligentes, estas ignoram sistemas ininteligíveis de repetição no lançamento de dados.

2 comentários:

  1. Notem que, ainda esta semana, mais de 100.000 professores e outras dwzenas de milhares de Assistentes Operacionais que exercem nas escolas, foram chamados a entrar na plataforma do Ministério da Educação (na luta contra a pedofilia) para autorizar a consulta do Registo Biográfico. Conclusao, pela QUINTA VEZ CONSECUTIVA tive de registar o nome do meu PAI e da minha MÃE (que ja não estão entre nós há anos para confirmar que sou seu filho!) porque o SIGRHE (ou quem o criou) não tem inteligência com capacidade de armazenamento destes dados... ou pensam que posso mudar de pai ou de mãe. Emfim... PAÍS DE INCOMPETENTES...

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