Paulo Guinote
Na segunda-feira ficámos a saber que o concurso nacional (interno e externo) para colocação de docentes para o período de 2013 a 2017 culminou com a entrada nos quadros de três professores num universo oficial superior a 66.000 candidatos externos, que permitiu a mobilidade interna de menos de 1150 candidatos internos e a transição de menos de 190 docentes de quadro de zona pedagógica para quadros de agrupamento ou escola não agrupada.
Acresce que apenas um dos 603 docentes vinculados extraordinariamente há poucos meses conseguiu colocação numa escola ou agrupamento. Ou seja, 1343 professores mudaram de situação num universo de professores em exercício ainda acima de 100.000, a que acrescem os candidatos externos. Uso aqui os dados coligidos pelo Arlindo Ferreira no seu blogue por me merecerem maior confiança dos que os apresentados no comunicado oficial do Ministério da Educação e Ciência (MEC) sobre este assunto.
Isto significa que se colocou em funcionamento um aparato administrativo e burocrático bastante assinalável, com evidente consumo de muitas horas de trabalho para que pouco mais de 1% dos candidatos conseguisse colocação e que menos de 1% dos docentes em exercício visse alterada a sua colocação profissional. O que significa uma péssima alocação de recursos para os resultados obtidos, pois o número de candidatos colocados faz lembrar um dos antigos mini-concursos distritais. Digamos que, como medida útil para a reforma do Estado no sentido de gerir melhor os recursos, este tipo de não-concursos deveria ser repensado.
Em tempos escrevi que o concurso de docentes de 2009 era capaz de ter sido o último em moldes nacionais tradicionais e, na prática, essa previsão confirmou-se. Este concurso não passou de uma farsa, um simulacro, destinado a cumprir a obrigatoriedade legal de fazer um concurso nacional quadrienal de colocação de professores. Foi um não-concurso, entalado entre um curioso mecanismo de vinculação extraordinária de 603 professores contratados e uma nova fase (a única que verdadeiramente interessa ao MEC) destinada a enviar para concurso os professores a quem for apontada a porta da mobilidade forçada por ausência de componente lectiva.
Penso que mesmo os não iniciados neste cosmos tortuoso dos concursos para docentes se lembrarão de, no ano passado, por esta altura, se andarem a ensaiar formas de resolver os mais de 10.000 horários-zero que apareceram na sequência da engenharia curricular do Governo que reduziu a carga lectiva para afeitos de cálculo dos horários de professores.
Este ano isso vai acontecer num calendário algo diferente, já em pleno período de férias, que permitirá apanhar a opinião pública mais distraída em relação aos efeitos das medidas legisladas em relação à organização do próximo ano lectivo, antes (despacho normativo 7/2013) e depois (despacho normativo 7-A/2013) da greve dos professores às avaliações. É minha convicção que o número de professores empurrados para a mobilidade interna, antecâmara da mobilidade especial, será de vários milhares, não porque se tenha dado um reajustamento dos quadros, mas sim porque se voltaram a alterar as regras de cálculo da componente lectiva dos professores. E isso será apresentado como um corajoso acto da tal “reforma do Estado”.
É ainda minha convicção que a escala dos horários-zero que venham a surgir nos próximos tempos será directamente proporcional à má-fé com que o MEC conduziu as negociações com os sindicatos de professores. Mas também servirá para que os representantes dos docentes possam aferir da qualidade do seu desempenho à mesa das negociações e para reavaliarem o que afirmaram nos passados dias 25 e 26 de Junho quando anunciaram o sucesso da dita greve e anunciaram o fim das hostilidades.
Pelo meio, temos uma classe profissional que continua a ser objecto de um exercício de engenharia profissional típico de regimes de matriz autoritária, em que a sua domesticação e progressivo extermínio (primeiro os contratados, depois os que são empurrados para a aposentação, em seguida os que estão em posição mais precária na carreira) se vão conseguindo através de um paciente processo de salamização, partilhado pelos últimos governos, e de propagação de um clima de asfixia profissional baseado no medo. Medo que foi dominado durante aquelas mais de duas semanas de mobilização intensa e alargada e que poderia ter conseguido algo mais do que se vai constatando, de modo doloroso para muitos, ser a realidade.
Peço desculpa a todos aqueles que considerem este texto demasiado críptico, quase iniciático, mas a verdade é que cada vez mais sinto o exercício da minha profissão numa perspectiva crítica como algo de perigosamente clandestino e, como tal, necessitando do recurso a códigos linguísticos inacessíveis aos leigos.
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