quarta-feira, 13 de maio de 2020

"Esperemos que o movimento não nos leve para a beira do precipício"

COVID-19 | Dia 56 – A impossível imobilidade

Paulo Guinote

A verdade é que grande parte das famílias que o possa fazer, não enviará a pequenada para as creches ou o pré-escolar. Só o fará quem, por motivos laborais e/ou de afastamento familiar, não possa deixar de o fazer. Os mais desfavorecidos em termos económicos e vulneráveis no plano social.

Se o regresso das aulas presenciais levanta um conjunto de problemas logísticos que são de difícil solução e mais complicada implementação em segurança, a reabertura das creches coloca uma outra ordem de dificuldades, ainda mais estreitamente relacionadas com a natureza humana.

Eu sei que em outros países essa reabertura já aconteceu com regras muito específicas de conduta, mas ainda não temos um balanço do que se passou, quer em número de crianças que voltaram, quer como foram ultrapassadas as dificuldades evidentes de um modelo de distanciamento social aplicado a crianças.

Basta-me ouvir, quase todas as manhãs, a forma como se comporta a criança que vive aqui ao lado e como a respectiva mamã a deixa correr pela casa, saltando, pulando, gritando com bem entende, revelando como será difícil que, num espaço comum, se consiga que o seu comportamento reduza significativamente esta recorrente agitação matinal. Claro que nem sequer me interessa ouvir os canónicos “as crianças são crianças”, “as crianças precisam de se mexer”, “as crianças são mesmo assim” ou uma variante destas frases de uma sapiência parental a toda a prova.

Vamos acreditar que as regras de distanciamento entre a petizada e de não mexida em brinquedos alheios ou objectos tidos até agora como de propriedade colectiva, do tipo kibutz vão resultar? E nas mais novas como se combaterá aquela tentação enorme de meter quase tudo na boca, incluindo o que anda a rolar pelo chão? Será que se acredita que é possível manter a criançada perfilada como se estivessem numa parada militar? Nem com um rácio de duas crianças por educador@.

A verdade é que grande parte das famílias que o possa fazer, não enviará a pequenada para as creches ou o pré-escolar. Só o fará quem, por motivos laborais e/ou de afastamento familiar, não possa deixar de o fazer. Os mais desfavorecidos em termos económicos e vulneráveis no plano social. Como parece óbvio. A reabertura das creches e do pré-escolar é uma medida que se destina, no fundo, a retirar o “novo proletariado” (agora mais “precariado”) de casa e reencaminhá-lo para os postos de trabalho, assegurando que a descendência fica algures. Mesmo não se percebendo bem como e com que relação entre vantagens e riscos. Dizem que a economia não pode continuar “parada”. Esperemos que o movimento não nos leve para a beira do precipício.

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