FORMAR PROFESSORES PARA AMANHÃ
É consensual que, na próxima década, vamos assistir a uma diminuição acentuada do número de docentes, face ao envelhecimento da classe e à ausência de respostas consistentes na sua renovação.
Duvidamos, pois, que seja possível continuar por mais tempo sem trazer ao debate a problemática da formação de professores, sem incluir neste debate e reflexão a função formativa da escola enquanto local de trabalho, espaço de intervenção e socialização, onde se sedimentam e criam os valores, as crenças e os pressupostos que validam, ou não, as práticas educativas. Porque reflectir sobre a formação de docentes, é também ter em conta o contexto em que estes desempenham a sua actividade profissional.
Nas escolas produz-se uma relação dialéctica entre a contribuição dos docentes para a eficácia dessas instituições, e a “organização” da escola enquanto determinante do desenvolvimento e do eficiente desempenho profissional dos professores que nela trabalham.
O trabalho do professor desenvolve-se, assim, em instituições que dão sentido e ajudam a organizar o seu mundo conceptual sobre educação, que possibilitam essa transferência conceptual para a prática educativa, e o enquadram dentro de um grupo profissional, cuja pertença é também referência para o seu empenhamento na multiplicidade de tarefas inerentes aos processos de ensino.
Convenhamos, pois, que uma boa parte da actividade docente se desenvolve dentro das paredes da escola, espaço em que se elaboram complexas redes de controlo, de estruturas hierárquicas de poder, que obrigam à reciprocidade de atitudes e de comportamentos, e que determinam, significativamente, as escolhas e as opções de cada docente quanto às suas práticas educativas.
Por outro lado, a organização formal da escola, constrangida pelas exigências do poder político e da sociedade civil, determina também que, em certa medida, a autonomia (entendida como um primeiro passo para a inovação) se traduza frequentemente numa “realidade virtual”, já que se considera como adquirido que o Estado e a sociedade têm o direito e o dever de saber o que se faz (e como se faz) na escola, elaborando para esse fim um indeterminado número de normativas apropriadas ao exercício desse controlo.
Dentro da escola a formação de professores desenvolve-se, então, entre duas exigências:
1 - as endógenas, que “empurram” o professor para o desenvolvimento pessoal e profissional, que o motivam para a busca de soluções inovadoras e que determinam um desempenho gratificante quando alcançado o sucesso dos seus alunos;
2 - as exógenas, que constrangem o docente ao cumprimento de rotinas, mais ou menos burocráticas, e que inibem o despertar para a formação permanente e para a inovação educativa.
Entre a inovação e a tradição, assim se processa a formação dos professores no quadro das exigências das instituições escolares. Esta estrutura organizacional pode provocar que cada professor se concentre no trabalho na sala de aula, com os seus alunos, sem promover qualquer tipo de intercâmbio experimental com os seus colegas, que reproduzem os mesmos comportamentos na sala ao lado.
Em nosso entender, este é, sobretudo, um obstáculo à formação continuada dos professores em início de carreira, que têm ainda da sua actividade profissional representações indefinidas, e até confusas, para os quais a escola surge como um mundo caótico, no qual há que encontrar, necessariamente, um sentido e uma ordem.
Não é pois de estranhar o aparecimento de sensações de insegurança e de receio, quando a presença de referenciais, como o sejam a observação e a análise do desempenho de colegas mais experientes, lhes estão vedados, impedindo-se, por essa via, a aquisição de competências básicas que permitam ao jovem professor principiar a formar em si uma imagem da actividade docente que estimule a construção progressiva da sua própria identidade profissional.
O sentimento de partilha e de pertença a um grupo, o estabelecimento de mecanismos de colaboração ou, pelo contrário, a sua inibição, são factores decisivos para incrementar, ou não, o desenvolvimento profissional dos docentes. Sobretudo quando se proporcionam ou se restringem atitudes de autonomia, de participação nas decisões, de partilha das responsabilidades (designadamente quanto à possibilidade de assumirem diferentes cargos na estrutura organizacional) e, finalmente, de gestão participada dos curricula, dos métodos e dos recursos que melhor os possam desenvolver.
Todavia é consensual que a escola é um dos espaços privilegiados para promover e desenvolver os processos de inovação, para proporcionar a melhoria do desempenho dos professores e alcançar o sucesso escolar e educativo dos alunos. Daí que, com alguma frequência, se refira a escola como um espaço fundamental para a promoção, de facto, das grandes mudanças educativas, desde que nela se criem as condições que as facilitem.
Muitas dessas condições passam pela formação permanente dos professores “dentro da escola”, numa perspectiva de ajuda e apoio à sua actividade profissional, pela adopção, implementação e avaliação de inovações educativas, pela adequação dos curricula às necessidades da escola, ao nível de formação dos professores e às características dos seus alunos, pressupondo um compromisso institucional entre o Estado, as instituições formadoras, os professores, os alunos, os responsáveis pelos organismos de decisão e os pais.
Este é, talvez, um dos maiores desafios que, na próxima década, as escolas e os professores terão que enfrentar e que não podemos mais continuar a ignorar.
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