sábado, 5 de junho de 2021

A opinião de Paulo Guinote sobre o Plano de Recuperação das Aprendizagens

Paulo Guinote

O Governo apresentou com alguma pompa o muito anunciado Plano de Recuperação das Aprendizagens, que ficará justamente conhecido apenas como “Plano 21|23 Escola+”, porque a questão da “recuperação das aprendizagens” não passa de um pretexto para justificar um empurrão financeiro às medidas em implementação desde o final de 2015.

Tudo se apresenta com a legitimação das consequências da pandemia, mas nada de novo está em causa. O discurso é praticamente o mesmo ao longo desta meia dúzia de anos e só alguém muito distraído poderá acreditar que é por aqui que passa alguma reforma da Educação que vá além da tentativa de dar novo ímpeto a medidas que se viu serem incapazes de funcionar em tempos de emergência.

Claro que o que foi atirado para os títulos da comunicação foram os números: 900 milhões de euros e mais 3300 professores nas escolas, sem contextualizar nada para parecer que é muita coisa. E houve quem fosse a correr dizer e escrever que é muito dinheiro para a Educação e que o “Estado” vai engordar com tanta contratação de novos professores. Até porque atrás daqueles números vieram outros de auto-elogio: 9000 professores vinculados nos últimos cinco anos, mais de 4000 assistentes operacionais e outro pessoal técnico e/ou especializado contratado. E mais 8000 a caminho.

O que fica por explicar e poucos parecem interessados em desmontar?

Em segundo lugar há que ter em conta que desde 2015 se aposentaram mais de 6000 professores e que se prevê um número a rondar os 8500 para os anos de 2021 a 2023. O que significa que as escolas, em menos de uma década, perderão quase 15.000 docentes. Se foram vinculados 9000 e se pensam vincular mais 2400 e contratar 3300 é fazer as contas, como dizia outro primeiro-ministro. Quem tiver uma calculadora por perto, perceberá que o saldo não é positivo.

Para além disso, os tais 3300 professores de que se fala, se forem mesmo contratados, terão um encargo de cerca de 65 milhões de euros por ano (salários brutos, pré-colecta fiscal). O que significa uma enorme poupança real, mesmo se nada nos garante que estes “novos” professores não irão ocupar vagas que já existem e têm sido ocupadas em substituições precárias.

Por fim, há que esclarecer que a retórica usada é a de sempre. Parágrafos como “o conjunto de medidas do Plano 21|23 Escola+ tem por base as políticas educativas com eficácia demonstrada ao nível do reforço da autonomia das escolas e das estratégias educativas diferenciadas dirigidas à promoção do sucesso escolar e, sobretudo, ao combate às desigualdades”, nada trazem de novo e apenas repetem fórmulas gastas.

Poderia transcrever a parte nuclear dos “três eixos de atuação, que agregam diferentes domínios de atuação, desenvolvendo-se em ações específicas” e dizer que era um documento de Junho de 2016 e ninguém se espantaria. Medidas como o “Incremento da gestão flexível de turmas; Produção de instrumentos práticos com sugestões de funcionamento das turmas, garantindo a sua heterogeneidade inerente” são um acumular de chavões do neo-eduquês em que vivemos.

É pena que a detecção de vacuidades não pareça ser estimulante para alguma comunicação social presa à exibição de números e reagindo de forma pavloviana e pouco crítica sempre que se apresentam promessas de milhões. Mais valia que explicassem à opinião pública o que significam passagens como “Recuperar com Artes e Humanidades – Desenvolvimento de um repertório de iniciativas, sob coordenação do Plano Nacional das Artes, integrando recursos específicos para recuperação e integração curricular” ou “Recuperar Incluindo – Plano integrado de formação para as escolas, com vista a apoiar a ação e construção de instrumentos de atuação na escola inclusiva”.

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