José Pacheco Pereira
O incremento da rudeza, brutalidade, má educação tem sem dúvida que ver com a pandemia, que põe as pessoas fora de si. Vão para a rua e olhem com atenção. Não é um espectáculo bonito.
O incremento da rudeza, brutalidade, má educação tem sem dúvida que ver com a pandemia, que põe as pessoas fora de si. Vão para a rua e olhem com atenção. Não é um espectáculo bonito.
Não sei bem como lhe chamar. “Má educação” é um termo muito ambíguo, “incivilidade” demasiado intelectual. Vou ficar-me pela “má educação”, que sempre diz mais do que incivilidade. Depois é uma matéria que é irrelevante para muita gente e demasiado importante para alguns. Há brutos e há flores de estufa. É uma matéria que não é sentida da mesma maneira quando se é mais novo ou quando se é mais velho. E é de difícil tratamento objectivo, não há um padrão que permita definir o que é “boa educação” ou “má educação”. Depois, há atitudes que para uns são condenáveis, para outros normais ou indiferentes. Há locais onde a “má educação” é a regra, como é o caso das brigas entre condutores. À segunda troca de palavras vêm os insultos mais grosseiros. Outra palavra, “grosseiro”, outra ainda “rude”, que fazem parte deste grupo de caracterizações de alguma coisa sobre a qual a maioria das pessoas tem opinião, mas que ninguém é capaz de teorizar, muito menos medir. Vicente Jorge Silva provou desta complexa confusão quando chamou a uma geração de jovens estudantes “geração rasca”, e provocou um efeito de revelação, eles eram mesmo “rascas”, ou uma caterva de críticas pelo atrevimento do julgamento.
Dito tudo isto, parece-me, pela medida mais empírica e subjectiva que se tem nestas matérias, que a má educação, agora sem aspas, está a crescer. Há cada vez mais pessoas a tentar passar à frente nas bichas de supermercado, nas filas das vacinas, nas filas para entrar em lojas ou restaurantes. Pode-se dizer que isto se passa porque há mais filas. As restrições da pandemia geraram um mundo de filas e consequente perda de tempo e isso irrita as pessoas. Por isso, as passagens à “má fila” ou as estratégias para fazer de conta que se está indevidamente à frente de alguém são cada vez mais comuns. Experimentem protestar. Das duas, uma: ou o protesto é colectivo e a fila que foi ultrapassada protesta toda em uníssono e o prevaricador é posto na ordem, ou quem protesta é olhado de alto abaixo como um excitado pelo seu direito individual à ordem de chegada.
Reparem como num multibanco, coisa que há cada vez menos, alguém leva um monte de papéis para processar, ocupando a caixa durante muito tempo sem consideração pela fila que está atrás. Ou como quem faz cargas e descargas de forma mais caótica e fora de horas, ocupa uma fila de trânsito, reage com veemência afirmando o direito de quem “está a trabalhar” e todos os outros a preguiçar e, por isso, pode parar onde quer, e como quer e durante o tempo que quiser. Não pede desculpa, nem acelera as entregas, nada, acaba e parte para outra como se nada acontecesse. O mesmo quando um carro impede a saída de outro e o que era o obstáculo acha que não tem de se justificar e tira o veículo prevaricador com maus modos.
Já não me refiro sequer a jovens famílias que acham normal as suas crianças andarem aos encontrões e a jogar a bola com total desrespeito pelos que estão num jardim ou parque a descansar, a ler, ou simplesmente desejam estar sossegados, e no intervalo em que estão a comer, estão a jogar à mesa, os adolescentes e os adultos ao telemóvel, num espectáculo de uma peculiar sociabilidade zero. Percebe-se como isto é absolutamente normal para os pais e mães e experimentem chamar a atenção de que é suposto as suas criancinhas serem controladas para não incomodar terceiros e vão ver a fúria e os impropérios com que afirmam o seu direito a que “ninguém se meta na sua vida”.
O incremento da rudeza, brutalidade, má educação tem sem dúvida que ver com a pandemia, que põe as pessoas fora de si, obrigando-as a suportarem-se demasiado perto dentro das casas confinados. Há demasiadas desgraças, que depois vêm cá para fora. Estas atitudes comunicam com a violação das regras de saúde, com o laxismo, com a indiferença face aos outros. Nestes dias de recuo no confinamento pagamos demasiado caro esta incivilidade, esta má educação, porque ela vai direitinha ter com estes comportamentos que todos podemos observar. Os que furam as filas não mantêm qualquer regra de diferenciação social, os que deixam os pequenos selvagens à solta estão-se marimbando para usar máscara.
O problema é que a má educação é uma forma de agressividade cujos alvos são os mais fracos, os mais bem-educados, os mais velhos, os que têm menos defesas. Vão para a rua e olhem com atenção. Não é um espectáculo bonito.
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