O Governo quer mexer na forma de entrada dos professores na carreira, que não é revista há quase uma década. Além dos actuais Quadros de Zona Pedagógica (QZP), a área geográfica à qual um professor fica vinculado, depois de completar três anos de contratos a tempo inteiro, pretende agora adicionar a possibilidade de entrada directa em quadro de escola, que até agora acontecia apenas numa fase posterior da carreira. A intenção é dar mais estabilidade aos docentes.
Na frente da formação de professores, a tutela defende que os estagiários devem ter autonomia para dar aulas a uma turma e não apenas acompanhar os docentes em várias turmas.
A Fenprof adiantou que haverá uma negociação sobre a revisão do actual regime de concursos de professores a partir de Outubro. Que mudanças tem o Ministério da Educação para propor?
Estamos a fazer um diagnóstico das necessidades do sistema educativo, como consta do programa do Governo. A fase seguinte é a forma de recrutamento dos docentes. Estas reuniões com os sindicatos foram uma primeira consulta. Queremos contar com os sindicatos neste processo, mas também alargá-lo à sociedade, que deve pensar no perfil que quer para o docente.
O foco estará no recrutamento nesta fase?
É a base da carreira e é aqui que vamos apostar. A entrada de um professor na carreira faz-se pelos Quadros de Zona Pedagógica (QZP) [área geográfica na qual um professor fica vinculado], que representa uma entrada já com anos de serviço. E só depois há uma fixação em quadro de escola. Por que não fazer a entrada directamente em quadros de agrupamento e de escola?
Qual seria a vantagem?
Há pessoas que estão em diferentes fases da vida e que têm pretensões diferentes. Uma pessoa no início da carreira tem mais flexibilidade para ir para pontos do país que outros, mais à frente, não têm. A entrada na carreira feita só de uma forma, não dá resposta a esta heterogeneidade de situações que neste momento já existem. Estamos sempre a falar da entrada na carreira depois do cumprimento da norma-travão, que implica a vinculação depois de três contratações anuais e a tempo completo. Ou em vinculações extraordinárias, como aconteceram no anterior mandato. Mas estamos a falar de entrada para responder às necessidades permanentes do sistema.
Entrando mais cedo no quadro de escola, têm a possibilidade de construir um projecto pedagógico. Construir carreiras mais estáveis, vai permitir-nos ter projectos pedagógicos mais estáveis.
Qual é que pode ser o equilíbrio entre as duas vias de entrada?
Estamos a estudar, porque precisamos de perceber quais são as necessidades. Atendendo à densidade demográfica de certas zonas do país, vamos ter que encontrar várias soluções. Há concelhos em que podemos ter que partilhar recursos. Por exemplo, para um docente que já é de quadro e que não tenha o seu horário todo preenchido, podemos ter que pensar em esquemas para facilitar que ele dê aulas na escola ao lado, de modo a manter a oferta para os alunos. Em certos territórios, isso é elemento fixador da população.
Não há um risco de as candidaturas a QZP se esvaziarem, porque toda a gente quer concorrer aos quadros de escola?
As vagas para quadro de escola serão limitadas. O equilíbrio aqui é entre o que são as necessidades do sistema e o que são as expectativas das pessoas. Um docente de início da carreira terá muito mais margem em ser colocado em quadro de escola, mesmo longe da sua origem. E o QZP até pode dar resposta às pessoas que até preferem estar mais próximo de casa. As alterações vão ter que dar tempo para as pessoas estarem informadas para fazerem escolhas.
Os concursos vão continuar a ser centralizados no ME?
Para já, estamos a falar da colocação de docentes estar centralizada no ministério. Vamos ter que pensar em situações específicas para escolas como as que estão em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP).
Há a possibilidade de as escolas poderem ter mais autonomia para contratar directamente professores?
O que tem sido falado sobre essa possibilidade, inclusive pelo meu colega João Costa [secretário de Estado Adjunto e da Educação], tinha a ver especificamente com as escolas TEIP. Estas têm um contexto completamente diferente das restantes. Temos que pensar em formas de dar resposta a estas necessidades específicas, porque em contextos TEIP o perfil do docente é ainda mais específico. Nesse sentido, podemos ter que pensar em níveis de autonomia.
A haver mexidas nesse campo, será apenas em escolas específicas como as TEIP?
Sim. Ainda vamos ter este processo de auscultação. Não é o mesmo processo, mas vai ser feito ao mesmo tempo. Vamos ter que pensar no recrutamento como um todo e depois nas situações em concreto. O programa do Governo também prevê o redimensionamento dos QZP.
No sentido de os tornar mais pequenos?
Os docentes não escolheram estar nestes QZP. Foi feito um redimensionamento, para reduzir o seu número, mas os docentes não tiveram escolha [Passaram a ser sete, em 2013, correspondendo grosso modo a uma divisão horizontal do país]. Queremos fazer um redimensionamento, mas mantendo a flexibilidade do sistema.
Também haverá mexidas nos intervalos dos horários a que os docentes concorrem?
Um docente ao candidatar-se a um intervalo horário deve saber qual é o regime de protecção social que este implica. Nós não temos capacidade de intervenção na esfera da protecção social, mas temos capacidade de fazer esta definição. Se um docente se candidata para um horário de 16 horas lectivas, sabe que tem um determinado nível de protecção social; abaixo das 16 horas tem outra. É essa definição que precisamos que o sistema lhes dê para as pessoas terem escolhas informadas.
Dizia que será necessário um diagnóstico antes de avançar com a negociação formal com os parceiros.
Uma revisão tão profunda precisa de ter em perspectiva o que vão ser as necessidades do sistema a longo prazo. Estamos a finalizar um estudo sobre as necessidades do sistema, entre cinco a dez anos, que vamos apresentar em Setembro. Só com base nesse estudo é que vamos alterar a lei, que é de 2012 (Decreto-Lei n.º 132/2012) e que tinha como paradigma o facto de existirem muitos docentes.
A ideia é que estas mudanças tenham efeitos práticos no ano lectivo de 2022/23?
É a nossa expectativa. Sendo uma revisão profunda, a administração tem que se poder adequar, as pessoas têm que estar informadas sobre as escolhas que têm pela frente, para que o sistema se consiga ajustar.
Quando se fala em recrutamento de professores, também é preciso considerar a formação inicial. São necessárias mudanças na formação de docentes no ensino superior?
Já iniciámos contactos exploratórios com as instituições de ensino superior para uma reconfiguração da formação inicial, em duas esferas. Uma é que a iniciação à prática profissional tenha um carácter mais prático, com recuperação daquilo que em tempos era o estágio com prática. E a outra via que é tentarmos puxar pessoas que não pensariam na docência como primeira saída profissional, atraindo-os com uma formação adequada.
Quais serão as mexidas nos estágios?
Fizemos contactos exploratórios e agora pretendemos agarrar este assunto para trabalhar com as instituições de ensino superior, porque nos pareceram disponíveis. O segundo ciclo [mestrado] deve ter uma vertente mais prática, que tem que ser conciliada com a possibilidade de os docentes mais velhos poderem orientar os mais novos nas escolas. Na prática, haverá estágios com atribuição de turmas, com o trabalho que isso representa.
Isso neste momento desapareceu de todo do sistema.
Actualmente, existe uma prática acompanhada. O docente-estagiário nunca tem a atribuição de uma turma. Vai com o seu orientador estando nalguns momentos de várias turmas. E o momento é que tenham atribuição de turmas com o que isto representa de formação em serviços.
Também permite disponibilização imediata de professores para o sistema de ensino.
Também, mas o que queremos, principalmente, é criar um momento em que nós temos professores mais velhos, que tendo até redução de horário na sua componente lectiva, possam ter mais tempo para disponibilizar para orientar os mais jovens.
Não vai haver mexidas em questões de progressões nas carreiras?
Desde 2018 têm sido aplicadas regras que existem desde 2011 e 2012, mas que que antes não se sabia se eram boas, se eram más, porque não tinham sido efectivamente aplicadas, porque as carreiras estavam congeladas. Na legislatura anterior descongelámos as carreiras e estamos a ver agora o impacto dessas regras. Permita-me falar na questão do copo meio-cheio e do copo meio-vazio. Quando o Governo, na semana passada, veio dizer quantos professores iam progredir para o 5.º e para o 7.º escalões.
Esse é claramente um desses exemplos de copo meio-vazio.
Eu discordo dessa ideia. Se estamos a falar de uma percentagem que este ano nunca foi menos de 64%, não pode ser meio. É menos de meio que está vazio.
Mas há um garrote no 5.º e 7.º escalões…
As quotas são questões complexas, ainda que seja um paradigma que está em implementação há mais de dez anos em toda a função pública. O que temos é isenção de vagas nos “excelentes” e “muito bons”. Nos “bons”, temos uma transição. Mesmo quem fica para trás, recebe uma bonificação de um ano. No ano seguinte é praticamente impossível não subir, porque depois o que conta é o tempo de serviço.
Mesmo tendo subido de escalão 11.500 professores este ano, pelas contas da Fenprof aumentou para o dobro os que ficam no 4.º e 6.º escalão. Por muito que subam mais no próximo ano, aquele contingente que está atrás continua a preencher-se.
Mas como nunca transitam menos de 50%, temos sempre gente a subir. O garrote não impede as pessoas efectivamente de progredir. Em 2018, não tínhamos quase professores no 10.º escalão e hoje temos mais de 10 mil. Contrariamente ao que era dito, as pessoas estão a chegar ao topo da carreira.
Já conseguimos perceber que impacto tiveram as novas regras do concurso externo lançado em Março?
Na primeira quinzena de Julho vamos ter os resultados definitivos. As escolhas foram feitas de uma maneira informada e isso é o mais importante para nós. Em relação às regras dos QZP, nós esperamos um número mesmo muito residual de docentes, que não tenham feito as escolhas pelos QZP todos. Os próprios sindicatos foram-nos dizendo que era isso que aconselhavam.
Neste momento não é possível antecipar quantos são?
Não. Nós, nesta esfera da aplicação desta regra, votámos vencido. Fomos até à até segunda instância para permitir que um docente pudesse garantir pelo menos a vaga que gera. O tribunal decidiu de forma contrária.
Sem comentários:
Enviar um comentário