Vivemos uma crise (a do custo de vida e correlata agitação civil), que sucede a duas outras crises (pandemia e guerra na Ucrânia). Para muitos países, mais pobreza e mais agitação social estão garantidas (o massacre de Melilla é exemplo próximo). O aumento da polarização política, as perdas económicas generalizadas e a corrida ao rearmamento são perturbadores e vão aumentar muitos dos abismos sociais existentes, tornando mais instáveis as democracias que conhecemos.
Mas, entre nós, o alarme dos últimos dias não foi devido a estes problemas, sequer ao aumento da pobreza, da dívida pública, da inflação e dos preços dos combustíveis. Outrossim, teve origem em estranhas liturgias no bananal em que o Governo se transformou, isto é, nos atropelos de Pedro a Costa e de Costa a Pedro. Com efeito, ao aeroporto de Lisboa não bastava o recente rótulo de um dos piores do mundo, as longas horas de espera que são impostas aos utentes e a catadupa de cancelamentos diários de voos. Faltava-lhe ser pano de fundo de um dos episódios mais grotescos da política portuguesa, com António Costa a humilhar o seu ministro das Infraestruturas e da Habitação e a deixar bem à vista a irresponsabilidade e o amadorismo com que o Governo tratou um assunto de tão grande interesse nacional.
A coberto desta trapalhada, o desagregar dos sistemas de saúde e educação passou para segundo plano. Na Saúde, onde segundo a OCDE (Health at a Glance 2021), somos o terceiro país da Europa a despender mais recursos financeiros privados (39% da despesa total), os serviços de urgência encerram em cascata, cresce o número dos portugueses sem médico de família e a directora-geral recomenda que não se adoeça em Agosto.
Na Educação, desde que António Costa é primeiro-ministro, aboliram-se os mecanismos fiáveis de avaliação de resultados e a produção de dados comparáveis. A reprovação, que antes era um estigma de aluno, é hoje um estigma de professor. A escola imprepara as crianças e arruína os professores, enquanto crescem as medidas sem lógica nem critério, a saber e a título de exemplo:
- Professores com doenças graves foram tratados como lixo. Na prática, o que se fez foi transformar a satisfação de uma necessidade de saúde num concurso, por via de regras absurdas. Com o novo regime de mobilidade por doença, as baixas médicas de longa duração aumentarão. Com elas, aumentará a necessidade de substituições temporárias, cada vez mais difíceis de conseguir, e, consequentemente, o número de alunos sem aulas.
- O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior deu orientações às respectivas instituições para aumentarem o número de vagas de acesso aos cursos de Educação. Só que o problema reside na procura e não na oferta, já que o número de alunos em cursos para a docência caiu 70% nas duas últimas décadas, ficando, ano após ano, por preencher as vagas postas a concurso. O problema é o acumular de erros, desde Maria de Lurdes Rodrigues, tornando a carreira docente cada vez menos atractiva, num vórtice de desgoverno, que culminou há pouco com a soez referência de João Costa aos professores: “…foram formados para serem professores de bons alunos. Era como formar médicos para verem só pessoas saudáveis”.
- Conclusões recentes do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) disseram-nos que a maior parte das crianças do 2º ano do ensino básico não entende o que lê e não sabe escrever.
Os dados relativos às reprovações e abandono escolar de 2020/21, divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, embora mostrem uma ligeira subida desses indicadores no ensino básico, face a 2019/20, exprimem, globalmente, sucesso. Todavia, quando cruzados com a análise que o IAVE fez sobre o que os alunos demonstraram realmente ter aprendido, a perplexidade ressalta: os indicadores das provas de aferição não são coerentes com os dados das reprovações e abandono. Donde, a pergunta legítima: o que mede o sucesso? O que os alunos realmente aprendem, ou a estatística (construída) sobre os chumbos?
Ora a resposta é simples: aquilo que é apresentado aos portugueses não são os factos ocorridos. É, antes, a perspectiva, naturalmente interessada e ficcionada, que o Governo tem sobre esses factos. A esta forma de os tratar, frequentemente triunfalista, chama-se propaganda.
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