sábado, 2 de maio de 2020

Escravos do Estado e das Tecnologias

Professor ou Escravo em tempo de Coronavírus?
Joaquim Ferreira 

Hoje, ao fim de vários dias em que estive sem tempo para a minha vida pessoal, decidi retirar ao trabalho o meu direito a ser pessoa, a ser cidadão, a deixar de estar virtualmente confinado. É que, para além de reuniões e mais reuniões online (para conseguirmos levar para diante a função docente), em que vemos (ou simplesmente, ouvimos a voz) alguns dos nossos colegas de trabalho, já nem virtualmente temos tempo, nem para a família, nem para as relações sociais ainda que virtuais. E, fechados nas nossas casas, ainda temos por esse país (de estúpidos) quem tenha a LATA de dizer e escrever nas redes sociais, que estamos em casa sem nada fazer e a receber.

Não... Os professores e professoras, em tempo de confinamento, é ser Escravo do Estado e das Tecnologias.

Escravo de um Estado que não equipou as escolas para poderem ter formado os alunos no uso destas ferramentas mas que exige agora aos docentes que, à distância e confinados, consigam o que é uma tarefa herculeana, ou mesmo babilónica: colocar e atender a todos os alunos, conseguindo que eles estejam conectados quando isso depende, na maioria dos casos, das famílias, da sua disponibilidade para atender aos filhos porque nem todos estão em casa sem trabalho. Há pais que, antes do novo coronavírus e deste confinamento, já trabalhavam em sistema de teletrabalho e que estão agora com sobrecarga de trabalho porque, à parte o seu trabalho (muitas vezes incrementado também) têm os filhos todo o dia em casa...

Será que não há limites para as exigências (quantas delas absurdas)?

Será que até o bom senso se perdeu? Será que se esqueceram que, também muitos professores têm em casa pessoas idosas (ou até, já são eles próprios idosos!) e crianças menores para cuidar, ou filhos a frequentarem a escola virtual e que, obviamente, necessitam também da atenção e apoio dos pais (professoras e professores) para os ajudarem a realizar os trabalhos no computador que, muitas vezes têm de partilhar…

Ou será que o Estado, com os impostos dos portugueses, andou anos e anos a injectar dinheiro para salvar “empresas” (bancos, como todos sabemos!) e não teve verbas para equipar as escolas com os necessários recursos e agora quer exigir que as famílias tenham recursos para os seus filhos poderem continuar a ter aulas, atribuindo aos professores mais essa tarefa de controlo da problemática das famílias que deveria ser das assistentes sociais e das autarquias?

Mas… afinal, que pensam? Que os professores são máquinas, são robôs? Ou pensam que os professores e professoras perderam o direito à condição humana para, magicamente, se transformaram em super-heróis? Não. Esses, só com muitos truques se conseguem no cinema. na realidade, já não há, há muito tempo, super-heróis.

Em que pensam transformar a profissão? Numa esponja que absorve, de uma só vez e numa só pessoa, a função que é da responsabilidade de uma multiplicidade de instituições?

Será que pensam que a panaceia das tecnologias pode fabricar, de um momento para o outro, super-homens e super-mulheres?

Não. Não o somos! E não se aguentará por muitos dias uma dedicação superior a 20 horas de trabalho diário (quando não mais!) para dar resposta a tudo o que se pensou que os super-heróis, agarrados a um teclado, diante de um ecrã de computador, produzindo recursos — como se aos médicos e enfermeiros lhes fosse exigido que produzissem medicamentos e utensílios que usam na sua função — horas e horas a fio, como se de loucos se tratasse.

A continuar assim, não tenho dúvida de que a sociedade terá não apenas a falta de professores mas antes, centenas e centenas dos que exercem a entrar em stress pós-traumático (porque, enquanto noutros países se relaxa pois vai fazer falta muita energia para retomar, por cá, pressiona-se, e pressiona-se, querendo que sejamos tudo: editores, produtores, criadores, programadores... enfim... sim está a provocar traumas) processo de descompensação cerebral... Em breve vai-se o vírus e teremos um grande problema de burnout nos cérebros dos professores que será bem mais difícil de vencer.

Que pensam? Que somos capazes de manter o mesmo número de alunos para atender de forma virtual como se estivéssemos nas salas de aula? Pensam que o professor de vai ser, ao mesmo tempo, produtor, realizador, criador e editor de conteúdos? Será que quererão dizer às editoras que podem fechar todas pois... estes super-homens e super-mulheres os vão substituir a todos? Será que vão querer que os professores desistam de ter vida para simplesmente se manterem vivos... Que vão aceitar ter uma vida sem direito a descanso, sem direito a família... sempre com os neurónios a funcionar... até ao desenlace final: a perda da vida.

Pergunta final? Onde anda o Ministro? Ora, meus caros, se a RTP, a SIC e a TVI, com o último grito da tecnologias comunicacional, quando faz “Em Directo” conferências online frequentemente apresenta problemas tecnológicos de que sistematicamente se desculpam (como todos já nos fartamos de assistir quando estão em directo) não conseguindo estabelecer uma comunicação eficaz entre os interlocutores (nenhum deles, de classes sociais desfavorecidas como os que estão nas escolas portuguesas onde milhares de famílias vivem no limiar de pobreza) imaginem só como podem os professores estabelecer uma comunicação eficaz para realizar aprendizagens online com 26 ou mais alunos. Enfim… E nenhum dos nossos alunos dispõe dos recursos dos ditos interlocutores…

Por último, gostaria que reflectisse sobre isto: se as tecnologias permitem a aprendizagem, porque não continuaram as sessões do parlamento a partir de suas casas, com os recursos pagos pelos próprios deputados, tal como exigiram aos professores, tendo muitos deles pago com os seus salários os meios de produção que devem ser, sempre, da responsabilidade da entidade patronal. Depois de tanta paulada na carreira e de estarmos ainda hoje com salários equivalentes aos de há mais de 10 anos, Por que pagamos para trabalhar? Alguém me explica outro motivo que não seja “porque somos parvos”?

Por último, pergunta-se: Por que só uma pequena percentagem de deputados está a exercer funções? Por que não fazem reuniões online todos os deputados? Por que não continuam a trabalhar e a produzir?

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