terça-feira, 31 de março de 2020

A opinião de João Ruivo - Em tempos conturbados, velhos contextos

Em tempos conturbados, velhos contextos

João Ruivo

Na ida década de 90 do século passado foram divulgadas duas obras que se constituíram referências obrigatórias na história da educação: referimo-nos à edição, em 1995, do "Livro Branco sobre Educação e Formação: Ensinar e Aprender para a Sociedade do Conhecimento"; e à publicação, em 1997, do "Livro Verde para a Sociedade da Informação".

A partir de então, a designação de sociedade do conhecimento ganhou foro de cidadania. E em que consiste esta sociedade do conhecimento? Genericamente refere-se à sociedade pós-industrial, à sociedade da informação, ou à sociedade da aprendizagem permanente. É a sociedade em que termos como "aprendizagem permanente", "informação" e "conhecimento" ganham notoriedade. É a sociedade em que a escola continua a ter um papel decisivo na formação inicial do indivíduo, no quadro de uma escola informada, mas em que a formação ao longo da vida exige que a escola não seja a única responsável pela formação do indivíduo já adulto e ou profissional.

É a sociedade em que as TIC na escola deveriam ajudar a "aprender a aprender", em vez de serem utilizadas para reforçarem a sistemática e mecânica transmissão de conhecimentos. Em que as TIC deveriam tornar os nossos alunos mais reflexivos e críticos, desenvolvendo as suas capacidades de metacognição.

Em que as TIC, em contextos problemáticos como o que vivemos, com as escolas fechadas, sejam o suporte de continuidade do trabalho dos professores e dos estudantes.

Todavia, passadas mais de duas décadas sobre a publicação daquelas obras, vejamos que evolução ocorreu na escola portuguesa para que os cidadãos alcancem a sociedade do conhecimento. Ou seja, em que condições se reflecte hoje sobre os contextos de aprendizagem nas escolas portuguesas.

Conviria sublinhar que estes novos contextos dinâmicos de aprendizagem só se podem gerar e alcançar em escolas que promovam uma forte liderança; uma grande estabilidade do corpo docente; uma profunda coesão entre todos os professores, os alunos o pessoal não docente e os pais; uma definição de claros (e alcançáveis) objectivos estratégicos; e, finalmente, um envolvimento profissional dos docentes na vida da escola que ultrapasse a mediania do estatuto da função pública.

Que contextos deveriam procurara os docentes, no seu dia a dia e em condições de "normalidade", para propiciarem aos seus alunos aprendizagens significativas e gratificantes, designadamente com o recurso às TIC?

A receita é sobejamente conhecida. Permitam-me, mesmo assim, que nesta era de voragem tecnológica, a relembre recuperando para estas páginas 36 indicadores perdidos entre práticas e memórias. Práticas e memórias que nos voltam a reenviar para um certo paradigma de escola.

Uma escola que desperta a curiosidade; o interesse pela pesquisa; o desejo de saber mais; a vontade de aprender sempre. Uma escola que ensina, porque aprende; que forma, porque informa; que inova, porque permuta; que utiliza a diferença como alavanca de desenvolvimento. Uma escola que forma alunos visionários, porque sabem criar cenários futuros; empreendedores, porque são pró-activos; criativos, porque assumem o risco da mudança; responsáveis, porque respondem às adversidades com carácter e sentido de valores. Uma escola que se baseia no respeito e na tolerância; na cooperação; na equidade; na solidariedade. Uma escola que promove a autonomia; a interacção; a compreensão intercultural; a diferenciação positiva; a acção orientada por um projecto. Uma escola com futuro, porque avança a diferentes velocidades; porque prossegue sem provocar rupturas; porque caminha com sentido e direcção; porque avança, mesmo quando não a deixam avançar. Uma escola que se alicerça na credibilidade; na independência institucional; na abertura à participação externa; na integração de novas abordagens; na acção coerente com os objectivos do sistema educativo. Uma escola que sabe aprender porque valoriza os seus líderes; optimiza a sua cultura organizacional; sedimenta nos docentes o sentido de pertença a um grupo profissional socialmente relevante; estimula o respeito pela diversidade; exclui a exclusão; inclui a inclusão.

Esta é a escola que desejaríamos, mesmo neste tempo conturbado e de contenção global, mas que dificilmente conseguiremos alcançar se não soubermos pôr de lado alguns facilitismos. Se não percebermos que a criação destes contextos de aprendizagem requerem muito suor e, por vezes, até abundantes lágrimas. Acreditando que o futuro voltará ser risonho para todos nós.

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