Sem as escolas, o país colapsa
Paulo Guinote - Público
As escolas não fecham porque se tornaram enormes espaços multifunções, em que a função assistencial se sobrepõe à educativa. Sem as escolas, não há qualquer outro tipo de “rede social” funcional. Sem as escolas a funcionar, o país entra em colapso.
Assisti, com o que deveria ser uma imensa incredulidade, à conferência de imprensa da ministra da Saúde e da directora-geral da Saúde, após uma tarde que entrou pela noite à espera do que se anunciou como sendo uma reunião em que se iria decidir se as escolas básicas e secundárias do país iriam encerrar como medida de contenção contra o alastramento da covid-19.
Afinal, a longa reunião, com imensas individualidades presentes, terminou e só então se percebeu que apenas iria fazer “recomendações”, sendo que o primeiro-ministro já aparecera a anunciar que nenhuma decisão iria ser tomada antes da reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira e de uma ronda de contactos com os partidos com assento parlamentar. E quem passou um dia na expectativa ficou num estado de razoável pasmo, em especial quando, na referida conferência de imprensa, se ficou a perceber que as escolas iriam ser fechadas “casuisticamente”, sem uma medida padronizada e uniforme, com base em argumentos que dificilmente se podem considerar baseados nas “evidências científicas”, sendo dito que o encerramento global das escolas seria uma medida “desproporcionada”.
Isto significa duas coisas: a primeira, que já sabíamos mas fica confirmada, é que sem as escolas funcionarem o nosso modelo de subdesenvolvimento social entra em colapso porque, como Graça Freitas interrogou, com quem iriam ficar “estes meninos”? A segunda é que, para as nossas autoridades, as escolas são, no fundo, imensos espaços de isolamento e profilaxia.
Há que ser claro, com base no que se tem constatado em outros países e as próprias autoridades nacionais e internacionais têm repetido: estamos perante uma pandemia com características diferentes de qualquer outra que conhecemos no passado mais ou menos recente. Um pouco por todo o lado se recomenda que se evitem eventos ou iniciativas com “ajuntamentos” significativos de pessoas. Há escolas básicas e secundárias entre nós com muitas centenas ou mesmo milhares de alunos em contacto permanente. O risco potencial é imenso, em especial quando se sabe que não foi feito qualquer inquérito às deslocações dos alunos e suas famílias ou do pessoal docente e não docente.
Não adianta dizer que não se deve agir de forma irresponsável (quem, em vez do isolamento, vai para a praia ou espaços comerciais) e, ao mesmo tempo, afirmar que não se pode ceder ao pânico e ao medo. Porque a mensagem fica muito pouco clara e não adianta apelar para a “confiança”, quando se afirma que as escolas irão permanecer abertas porque não há com quem deixar “estes meninos”. Porque é um argumento sem qualquer sustentação “científica”, remetendo para uma decisão puramente política.
As escolas não fecham porque se tornaram enormes espaços multifunções, em que a função assistencial se sobrepõe à educativa. Sem as escolas, não há qualquer outro tipo de “rede social” funcional. Sem as escolas a funcionar, o país entra em colapso.
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